Dessalinização: a esperança para países sedentos? O Marrocos aposta nisso

O país enfrenta sete anos consecutivos de seca e recorre à água do mar para sustentar a produção agrícola e garantir abastecimento urbano

A seca que assola o Marrocos já dura sete anos e transformou o coração agrícola do país em um cenário quase desértico. No ano passado, a produção no país caiu 42% abaixo da média do quinquênio após seis anos seguidos de seca. A paisagem é dominada por campos ressecados e vegetação queimada, exceto por algumas estufas protegidas por telas, onde tomates crescem em abundância para exportação à Europa. As informações são do The Washington Post.

Esses “oásis artificiais” não dependem da chuva, mas de um recurso mais seguro: a água do mar, dessalinizada e canalizada a partir de uma usina costeira, a primeira de uma série de megaprojetos planejados pelo país. Para especialistas, a medida representa uma aposta do país africano em preservar modos de vida tradicionais e atividades de alto consumo hídrico, como a agricultura em larga escala.

“A lição mais importante aqui é que existe uma solução para enfrentar as mudanças climáticas”, afirma Tarik Hamane, CEO da empresa estatal de abastecimento de água do Marrocos.

Al Hoceima, cidade costeira no norte de Marrocos durante período de estiagem (Foto: WikiCommons)

A dessalinização é uma tecnologia antiga, amplamente usada no Golfo Pérsico, mas tem ganhado relevância global diante da intensificação das secas. Reduções recentes nos custos e avanços tecnológicos, especialmente na osmose reversa, tornaram a técnica mais viável, e países com recursos hídricos escassos passam a considerar a dessalinização como uma solução estratégica.

Apesar disso, especialistas alertam que a tecnologia não é isenta de problemas. O processo gera resíduos ultrassalgados, consome energia significativa e, se movido a combustíveis fósseis, contribui para emissões de gases de efeito estufa.

“Todo mundo adora a ideia de uma solução milagrosa, mas a dessalinização apresenta muitos desafios”, afirma Peter Gleick, especialista em recursos hídricos.

No Marrocos, a escassez hídrica tem causas naturais e humanas. A agricultura responde por cerca de 85% do consumo de água do país, e a expansão de culturas exigentes em regiões áridas aumentou a pressão sobre os recursos. Programas governamentais, como o Plano Verde Marrocos, incentivaram a produção em larga escala para exportação, especialmente de frutas e vegetais para o mercado europeu, mesmo diante de sinais de alerta sobre o déficit de água.

Os desafios

A dessalinização já trouxe benefícios a algumas fazendas, como as que cultivam tomates em Agadir, cuja produção abastece mercados internacionais. No entanto, a água dessalinizada é cara e logística complexa limita seu acesso, beneficiando principalmente grandes exportadores. Pequenas propriedades e pomares de frutas cítricas enfrentam abandono e falência.

Para o governo, a expansão da dessalinização é estratégica. Até 2031, o Marrocos terá quatro das dez maiores usinas do mundo, algumas dedicadas à irrigação agrícola e outras ao abastecimento urbano. O objetivo é reduzir a pressão sobre aquíferos e represas naturais, garantindo o fornecimento de água para a população e para a agricultura mais produtiva.

“Com eficiência suficiente, a agricultura poderia ser sustentável”, diz o ministro Nizar Baraka. Mas ele e especialistas reforçam que a dessalinização não é uma solução milagrosa e não poderia atender sozinha às demandas do país, que consome cerca de 12 bilhões de metros cúbicos de água por ano.

Enquanto o Marrocos investe em megaprojetos costeiros, o país vive um dilema comum em regiões afetadas pela seca: equilibrar produção agrícola, abastecimento urbano e preservação ambiental. Para especialistas, o sucesso dependerá de medidas integradas que combinem tecnologia, eficiência hídrica e planejamento de longo prazo.

Por que isso importa?

Esta é a década mais quente para a África desde que os registros foram iniciados. A temperatura da superfície do mar atingiu seu nível recorde no ano passado.

Cheias e secas destruíram subsistências e comunidades em várias partes do mundo. E fenômenos climáticos como El Niño tiveram um papel nesse resultado.

Essas são algumas das conclusões do relatório o Estado do Clima na África 2024, lançado nesta semana pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) em Addis Abeba e Genebra, simultaneamente.

O relatório destaca os desafios para agricultura e o meio ambiente, alimentação, água e segurança energética, além de saúde e educação. A inteligência artificial, meios de comunicação móvel e modelos avançados para previsão do tempo estão aumentando o alcance de serviços meteorológicos através da África.

Segundo o estudo, o ano de 2024 foi o mais quente ou o segundo mais quente, dependendo dos dados utilizados.  Os níveis de aquecimento da temperatura da superfície do mar foram mais intensos no Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo.

A secretária-geral da OMM, Celeste Saulo, afirma que a situação na África demonstra realidades urgentes e crescentes da mudança climática em todo o continente.

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