Militares no Gabão depõem presidente cuja família está no poder há 55 anos

Ali Bongo Ondimba foi reeleito para um terceiro mandato com 64% dos votos. Golpe gerou celebração no país e repúdio internacional

Em transmissão pela TV estatal, um grupo de oficiais das forças armadas do Gabão afirmou ter assumido o controle do país nesta quarta-feira (30), colocando o presidente em prisão domiciliar. O oitavo golpe de Estado na África em três anos aconteceu pouco depois de o líder deposto ter sido anunciado como vencedor de uma eleição que estenderia o domínio de sua família na região rica em petróleo, que já dura mais de meio século. As informações são da agência Associated Press (AP).

No sábado (26), após as eleições, a contagem oficial revelou a vitória de Ali Bongo Ondimba com mais de 64% dos votos, garantindo a ele um terceiro mandato. No entanto, nesta quarta, soldados anularam o resultado das urnas e coordenaram a dissolução das instituições do país, em meio a relatos de tiros na capital, Libreville.

Em um vídeo gravado em sua residência, Bongo fez um apelo para que as pessoas o apoiassem fazendo barulho. No entanto, em vez disso, multidões saíram às ruas da capital, entoando o hino nacional em celebração à tentativa de golpe contra uma dinastia acusada de enriquecer às custas dos recursos do país, enquanto muitos cidadãos lutam para sobreviver.

“Estamos acabando com o regime atual”, disseram os soldados, segundo a agência AFP.

Ali Bongo Ondimba foi reeleito para um terceiro mandato (Foto: Chatham House/Flickr)

Um porta-voz dos 12 soldados que apareceram na televisão após a tomada de poder descreveu o trabalho de Bongo na presidência como uma “governança irresponsável e imprevisível, resultando numa deterioração contínua da coesão social que corre o risco de levar o país ao caos”.

Com 64 anos de idade, Bongo assumiu a presidência em 2009 após a morte de seu pai, que governou por 41 anos. Durante sua gestão, houve uma crescente impopularidade em relação ao seu mandato. Em 2019, membros das forças armadas tentaram um golpe de Estado durante uma viagem do presidente a Marrocos, mas a tomada de poder fracassou.

Uma possível tentativa de golpe no Gabão teria um impacto significativo na França devido aos laços políticos e diplomáticos estreitos entre os dois países. Esses laços se mantiveram firmes desde a independência do país em 1960, mas também foram caracterizados por acusações de corrupção e interferência política.

Sob o governo de Omar Bongo, pai de Ali Bongo, o Gabão desempenhou um papel central no sistema “Françafrique”, no qual Paris apoiava líderes africanos com suporte político e militar em troca de vantagens comerciais e acesso a recursos naturais valiosos. Com sua produção de petróleo significativa e exportações de urânio e manganês essenciais para a fabricação de aço e baterias, o Gabão desempenha um papel estratégico como produtor de recursos na região africana.

O porta-voz do governo francês, Olivier Veran, condenou o golpe militar em andamento no Gabão e afirmou que a França está monitorando de perto os acontecimentos no país. Ele também reiterou o desejo de que o resultado das eleições seja respeitado assim que for anunciado.

Líderes e especialistas estrangeiros alertaram que o golpe pode causar instabilidade e agravar as condições de vida dos gaboneses.

Instabilidade

Antes das eleições de sábado, tanto Bongo quanto seu principal rival, Albert Ondo Ossa, estavam na liderança da corrida eleitoral. O pleito ocorreu sem a presença de observadores eleitorais. De acordo com os resultados oficiais, Ondo Ossa conquistou pouco mais de 30% dos votos expressos. No entanto, surgiram preocupações acerca de possíveis fraudes eleitorais, como em eleições gerais anteriores.

Apesar da crítica de observadores internacionais, a votação transcorreu relativamente tranquila até a madrugada desta quarta-feira, quando Bongo foi anunciado como vencedor.

Os militares amotinados asseguraram que respeitariam os compromissos do Gabão perante a comunidade nacional e internacional. Imagens nas redes sociais divulgadas pela mídia local mostram tanto cidadãos quanto soldados comemorando o golpe em apoio ao líder, general Brice Oligui Nguema. No entanto, o momento político no país trouxe consigo a ameaça de paralisação da economia, segundo a AP.

Josep Borrell, o principal diplomata da União Europeia (UE), mencionou que o Gabão seria tema de discussão entre os ministros do bloco nesta semana. Ele enfatizou que, “se a situação se confirmar, estaríamos diante de outro golpe militar, o qual intensificaria a instabilidade em toda a região.”

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