ARTIGO: O mundo espera, com ansiedade, o resultado das eleições nos EUA

Jornalista e superintendente de Comunicação da USP fala sobre a expectativa em torno do desfecho do pleito nos EUA

Este artigo foi publicado originalmente no Jornal da USP.

por Luiz Roberto Serrano, jornalista e superintendente de Comunicação Social da USP

O mundo estará em suspense a partir deste fim de semana, de olho na próxima terça-feira, 3 de novembro, acompanhando a eleição presidencial nos Estados Unidos da América.

Suspense que poderá estender-se por vários dias caso os seus resultados não emerjam com clareza da contagem dos votos nas urnas, pois poderá haver muita contestação judicial sobre os números proclamados pelas autoridades eleitorais.

A disputa entre o presidente Donald Trump, republicano, versus o desafiante Joe Biden, democrata, é considerada a mais crucial e importante eleição presidencial naquele país nos últimos tempos.

A eventual vitória de Biden significará uma mudança radical no estilo do ocupante da Casa Branca, que buscará pacificar os conflitos na sociedade norte-americana, ao contrário de Trump, que sempre insistiu em alimentá-los, com uma atuação presidencial que sempre flertou com o autoritarismo e a falta de respeito com os adversários.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em pronunciamento na 75ª Assembleia Geral da ONU em 21 de setembro de 2020 (Foto: UN Photo/Rick Bajornas)

A disputa, na verdade, é importantíssima para todo o mundo, pois definirá a postura global dos EUA. Permanecerá a política da America First, que colocou o país em atrito com tradicionais aliados, ou os EUA voltarão a atuar como sócios, quase sempre majoritários, do mundo ocidental?

Como um eventual governo democrata administrará as relações com a China, a potência que desafia a liderança econômica dos EUA? O resultado também terá reflexos especiais sobre o Brasil, uma vez que o governo Bolsonaro mimetiza o estilo do atual presidente estadunidense, Trump.

Na verdade, a eleição do presidente Franklin Delano Roosevelt, em 1932, quando os EUA afundavam na recessão provocada pela crise de 1929, terá sido bem mais importante pela remodelação que possibilitou à sociedade norte-americana via as políticas do New Deal. Políticas estas aceleradas pelo fato dos EUA terem se transformado na privilegiada fábrica de armas e equipamentos para a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial.

Lembremos que essa produção e a participação das tropas dos EUA no teatro de guerra europeu consolidaram a predominância do país no mundo ocidental desde então.

Voltando a hoje, neste poucos dias antes da eleição, Joe Biden aparece nas pesquisas com sete a dez pontos, em média, na intenção de votos em relação a Trump e com razoáveis vantagens também nos swing states, aqueles que têm grande influência, muitas vezes decisiva, no resultado de um pleito que é decidido por um Colégio Eleitoral, não pela simples soma dos votos dos eleitores.

O sistema eleitoral norte-americano, concebido no século XVIII, não se baseia no princípio de one man, one vote. É declarado vencedor o concorrente que tem mais votos no Colégio Eleitoral, formado por delegados que representam só o candidato mais votado no seu Estado.

Ganha a presidência o candidato que somar um mínimo de 270 votos de delegados. Na eleição de 2016, Trump ganhou no Colégio Eleitoral, apesar de a candidata democrata Hillary Clinton ter recebido três milhões de votos populares mais do que ele. Foi a segunda vez, em tempos recentes, que o presidente dos EUA foi escolhido pelo Colégio Eleitoral, em detrimento do voto popular.

É essa derrota de Hillary Clinton, cuja vitória era apontada pela maioria das pesquisas em 2016, que assombra a eleição deste 3 de novembro. A possibilidade de que a história se repita gera incertezas.

Em recente podcast no “The New York Times”, Hillary Clinton recordou que a carta de James Comey, diretor do FBI (Divisão Federal de Investigação, em inglês), às vésperas do pleito, reavivando a investigação sobre o uso de seu e-mail particular para tratar de assuntos do governo, derrubou de vez sua votação nos três estados – Pensilvânia, Ohio e Michigan – que garantiram a vitória de Trump no Colégio Eleitoral.

A campanha de Trump explorou a carta com grande fôlego na sua campanha pelas redes sociais. Na esteira da exacerbação da disputa, a campanha de Trump espalhou pelas mídias sociais que o Papa Francisco apoiava o então candidato republicano. Segundo Hillary Clinton, nesta eleição o eleitorado norte-americano estaria mais vacinado contra as maquinações e fake news distribuídas pela campanha de Trump pelas redes sociais.

Profissional testa segurança contra contágio de Covid-19 nas mesas durante período de preparação às eleições dos EUA, em junho de 2020 (Foto: Flickr/The National Guard)

A própria imprensa está mais cautelosa com o noticiário alimentado pela campanha de Trump. Na véspera do último debate, o staff trumpista ofertou ao jornal econômico “The Wall Street Journal” informações que envolviam o filho de Biden e o próprio Biden num esquema de corrupção na Polônia com ramificações na Rússia. Era uma arma para ser usada no debate. Mas o WSJ, ao contrário do esperado pela campanha, não comprou a denúncia. Quem comprou foi o “New York Post”, um jornal sem grande credibilidade, e o plano naufragou.

As empresas de pesquisa, por sua vez, revisaram suas metodologias, refinando sua capacidade de captar mais profundamente a vontade dos eleitores. Em 2016, elas não captaram com precisão as intenções de voto dos blue collar, eleitores apenas com instrução secundária, que votaram em massa em Trump, em função, principalmente, do alto nível de desemprego entre essa população na época. Em função dessa providência, diminuíram as desconfianças em relação aos números que as pesquisas apresentam.

É fato que as eleições deste ano nos EUA têm características próprias. Trump exerce a presidência há pouco mais de 3,5 anos, não representa mais o “novo” na política do país, já mostrou amplamente suas inadequações para o cargo. A pandemia bateu de frente com a sua candidatura.

E a recuperação da economia, que vinha de Obama, da qual ele se apropriou e tirava vantagens, desapareceu; muito pelo contrário, ela naufraga. Sua irresponsável, errática e negacionista administração no combate à pandemia tornou-se o principal tema da campanha e motivo de enorme desgaste político, especialmente porque, no momento, ela avança de maneira dramática no país.

Seu discurso, que elege a lei e a ordem como o combustível para justificar, acima de tudo, a violência policial contra as populações afrodescendentes do país e imigrantes latinos, também alimenta a candidatura adversária. Suas tentativas de combater e minar a confiança no tradicional voto pelo correio, maiores do que nunca nesta eleição, e as ameaças de contestar na Justiça os resultados das urnas geram crescentes polêmicas – além de serem uma séria ameaça à estabilidade da democracia estadunidense.

Joe Binden é o candidato de uma surpreendente união de todas as correntes do Partido Democrata em torno de um nome capaz de derrotar Trump. Não foi assim em 2016: o senador Bernie Sanders, derrotado por Hillary Clinton nas primárias, não a apoiou na campanha, a população afrodescendente, apesar dos apelos de Obama, não votou em peso. Neste embate de 2020, o objetivo a atingir – a derrota de Trump – superou as diferenças políticas e até mesmo ideológicas dentro do partido. A ponto de a candidata a vice-presidente ser uma mulher, negra, situada à esquerda do espectro liberal, a senadora Kamala Harris.

E esse é o ponto forte da candidatura de Biden, que o faz bater o adversário inclusive na arrecadação de fundos para a campanha. Seu discurso, além de atacar os pontos fracos de Trump, contando para isso com a participação de Obama nos últimos dias, promete começar a combater a ascendente pandemia no primeiro dia de seu mandato, redinamizar a economia, reaproximar-se dos tradicionais aliados ocidentais, mas enfrentar com firmeza a China. Acima de tudo, promete buscar a reconciliação do país, superando o atual clima de litígios e confrontos.

Até esta sexta-feira, as pesquisas apontavam, em termos de votos diretos, algo em torno de 52% de preferência para Biden e 42% para Trump e vantagem também na maioria dos swing states, decisivos para uma vitória no Colégio Eleitoral. O atual presidente ter 42% das preferências dos eleitores revela muito sobre a sociedade americana neste momento histórico.

Se vencer, Biden terá uma tarefa árdua à frente. O desafio é ser o parteiro do turning point que abrirá passagem nos EUA para uma sociedade mais diversa, afluente e progressista que, atualmente, os conservadores, liderados por Trump, tentam bloquear de todas as formas.

O mundo, ansiosamente, espera que a possível vitória de Biden se confirme, pois será beneficiado por ela, mas não deixa de se preocupar com os imprevistos que podem ocorrer até terça-feira, 3 de novembro, e nos dias subsequentes.

Estão em jogo a estabilidade e a previsibilidade do horizonte global.

E isso inclui o Brasil.

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