Associação islâmica é investigada por tráfico humano ao aliciar crianças indígenas no Brasil

Entidade ofereceu educação religiosa aos filhos de famílias pobres que vivem em aldeias amazônicas em Manaus

De acordo com uma investigação em curso da Polícia Federal (PF), jovens e crianças indígenas em Manaus, no Estado do Amazonas, foram submetidos a aulas de línguas árabe e turca, estudo do Alcorão e do Islamismo em uma associação islâmica instalada no Brasil. Aos jovens foi prometido um internato religioso totalmente custeado na Turquia, mas o que se descobriu é que eles foram vítimas de um esquema de doutrinação e tráfico humano, conforme mostrou no domingo (23) uma reportagem do programa Fantástico, da rede Globo.

Recentemente, cinco rapazes indígenas do programa foram deportados após ficarem detidos em Istambul por três semanas, já que não tinham visto de permanência. Eles retornaram ao Brasil com o líder da Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham), Abdulhakim Tokdemir, que chegou ao Estado em 2019.

Cultura e estilo de vida indígena são protegidos pela lei brasileira (Foto: PXFuel/Divulgação)

Tokdemir e sua equipe, atuando em nome da seita Süleymancılar (Suleimanistas) no Brasil, levaram os filhos de famílias pobres que vivem em aldeias amazônicas na fronteira com a Colômbia para Manaus, a 953 quilômetros de distância, obrigando suas famílias a assinarem documentos. Seis das crianças, que receberam “educação religiosa interna” por três anos, foram levadas para a Turquia em fevereiro de 2022 e alojadas nos dormitórios da seita em Kütahya e Tarso, segundo a agência turca Arti Gercek.

Após seu retorno ao Brasil, Tokdemir teve seu passaporte, computador e celular apreendidos, e seu sigilo fiscal e bancário foi quebrado. Além disso, outras sete pessoas, incluindo turcos e brasileiros, são suspeitas de estarem envolvidas no esquema de doutrinação religiosa e tráfico de pessoas.

Conforme a Polícia Federal do Amazonas, os indígenas envolvidos são extremamente vulneráveis e, por isso, se tornam alvos fáceis para as organizações criminosas que atuam na região. A oferta inicial era de estudos na Turquia, visando a possibilidade de se tornarem médicos, advogados, teólogos, engenheiros, mas, na realidade, o processo se tratava de servidão, imposição religiosa e doutrinação. Além disso, houve a atribuição de novos nomes e proibição de mencionar seus nomes anteriores.

Em abril, a reportagem do Fantástico tentou visitar a sede da Asham e a casa da associação em São Paulo, mas não foi recebida. Em seu depoimento à PF, Abdulhakim afirmou que não tem a intenção de converter indígenas à sua religião, mas se alguém desejar aprender sobre o Islã, ele se sente obrigado a ensinar. Atualmente, os federais estão investigando quais foram as atividades dos jovens na Turquia.

Contrariedade ao Islã

O vice-presidente da Fambras (Associações Muçulmanas do Brasil), Ali Hussein El Zoghbi, afirma desconhecer a Associação Solidária Humanitária do Amazonas e seu trabalho. Ele destaca que a maioria das entidades islâmicas têm parceria ou estão associadas à Fambras. Além disso, enfatiza que qualquer abordagem de imposição, coação ou coerção “é contrária aos princípios básicos do Islã”, que preza pela adoção livre e justa da religião, tornando-se ainda mais preocupante quando envolve crianças.

A delegada da PF-AM, Letícia Prado, ressalta que, às vezes, o tráfico humano não se apresenta da forma tradicional em que a pessoa está acorrentada e sofrendo agressões. Muitas vezes, as vítimas são atraídas voluntariamente a irem para outro país, sem saber exatamente o que os aguarda lá ou as condições a que serão submetidas.

Ouvido pela reportagem, a vítima Edilberto Domingas Dias Brito Júnior, de 18 anos, pertencente à etnia Tukano, contou que recebeu as lições, mas não chegou a sair do Brasil. Ele relatou que durante as aulas, havia sequências de “ajoelhar, reverenciar e rezar a Alá, o deus deles”. No entanto, ele afirma que as aulas de religião não eram obrigatórias.

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