Do alinhamento à inimizade, conheça a história das relações entre Cuba e EUA

Bloqueio econômico, crise e conflito político entre Washington e Moscou pautaram a segunda metade do século 20

Nenhum outro país recebeu sanções dos EUA tão duradouras quanto as impostas a Cuba. A cronologia dessa inimizade tem seu ponto de inflexão em 1959, com tomada do poder pelos comunistas liderados por Fidel Castro.

Nas primeiras horas de janeiro daquele ano, os rebeldes do chamado Movimento 26 de Julho tomaram a capital Havana e removeram do poder o então presidente Fulgencio Batista, aprovado e apoiado pelos EUA.

A ilha, a cerca de 170 quilômetros da Flórida, era destino de férias de milhares de americanos, que viajavam em busca das praias do Caribe e do hedonismo de uma espécie de Las Vegas dos anos 1950.

O Capitólio de Havana, sede do governo cubano até a Revolução Cubana e hoje sede da Academia de Ciências, em imagem de 1947 (Foto: UN Photo/Cuban Tourist Commission)

Depois de 60 anos da tomada de Havana, a ONU (Organização das Nações Unidas) estimou havia custado US$ 130 bilhões à ilha o embargo econômico imposto como resposta à instalação do regime.

O cálculo é da Cepal, comissão econômica da entidade para a América Latina, segundo a Reuters. No que já se tornou uma tradição, todo ano desde 1992 a entidade aprova uma resolução pedindo o fim das restrições.

Bloqueio e embargo

A chegada de Castro ao poder significou a nacionalização de empresas como bancos e fazendas produtoras de café e açúcar e aumento nas tarifas de produtos norte-americanos. O comércio com a União Soviética crescia.

A resposta de Washington foi, em um primeiro momento, paralisar as exportações para a ilha caribenha. No governo de John F. Kennedy, de 1961 a 1963, o embargo à economia cubana toma formas semelhantes às atuais.

Naquele 1961, os EUA cortaram as relações diplomáticas com Havana e começaram operações para remover Castro do cargo. A mais célebre delas é a malfadada tentativa de invasão da chamada Baía dos Porcos, em abril.

Na ocasião, os norte-americanos financiaram uma milícia de cubanos exilados e opositores a Castro para uma invasão na costa sudoeste da ilha. A operação não deu certo, gerou indignação no exterior e teve como principal consequência aproximar Cuba da URSS (União Soviética).

É graças a esta aproximação que Fidel permitiu aos soviéticos que instalassem mísseis nucleares em território cubano. Os EUA logo tomaram conhecimento do que corria ali, deflagrando uma escalada nas tensões por que representou o ponto mais próximo de uma guerra nuclear.

Foi a chamada crise dos mísseis, em outubro de 1962. Por cerca de duas semanas, o mundo assistiu ao impasse na pequena ilha, aliada de Moscou e a menos de 200 quilômetros de seu maior inimigo. A guerra nunca veio.

Inviabilidade do regime

Nas décadas seguintes, o processo foi de aprofundamento do embargo a Cuba. A meta era enforcar a economia local ao ponto em que o regime se tornasse inviável.

Em 1982, o presidente norte-americano Ronald Reagan declara o país como patrocinador do terrorismo por seu envolvimento nas guerras civis que ocorriam na América Central.

Seus sucessores mantêm-se neste caminho. George H. W. Bush, que assume em 1989, e Bill Clinton, empossado em 1993, passam leis que condicionam o fim do embargo à transição democrática na ilha.

A primeira, Lei da Democracia Cubana, é de 1992. Quatro anos depois, vem a Lei de Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana. A ilha vivia forte crise econômica com o fim do fluxo de recursos soviéticos após a dissolução do país, em 1991.

O chamado “período especial em tempos de paz” foi de forte escassez e insegurança alimentar, momento adequado para pressionar o governo em Havana por mudanças.

O artista Julio Pérez, do sindicato de autores e artistas de Cuba, com suas obras, em imagem de 1982 (Foto: UN Photo/Maggie Steber)

Apenas em 1999 os EUA passam a permitir a exportação de produtos alimentícios e insumos médicos. Em contrapartida, investem em maior fiscalização para limitar atividades de contrabando.

Flexibilização e endurecimento

A presidência de Barack Obama, que toma posse em janeiro de 2009, foi um ponto de virada. A partir dali, o governo dos EUA passa a tomar o caminho diplomático, argumentando que o embargo de quase meio século não havia gerado a esperada transição a um sistema liberal-democrático.

Uma das primeiras medidas de Obama foi diminuir restrições ao fluxo de remessas, uma das principais fontes de renda da ilha. Pesquisadores nos EUA estimam que os cidadãos recebam cerca de US$ 3 bilhões por ano de parentes no exterior, mas Cuba não divulga o dado oficial.

Também foram relaxadas as restrições de viagem. Havana passou a sinalizar interesse em empreender reformas que abrissem, de forma gradual, a economia local.

Pequenas empresas privadas passaram a ser permitidas, houve relaxamento nas rígidas leis do setor imobiliário e de agricultura e maior fluxo de produtos importados.

Em 2014, os dois países anunciam retomada das relações diplomáticas e o país é removido da lista de patrocinadores do terrorismo.

Em 2016, o país recebe Obama para a primeira visita de um presidente dos EUA desde Calvin Coolidge, em 1928. Logo antes de deixar o cargo, também derruba norma do governo Clinton (1993-2000) que previa residência imediata ao cubano que conseguisse pôr os pés no território dos EUA.

Embargo 2.0

A paz não durou muito tempo. O ano de 2016 é recebido com a morte de Fidel e a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais. O candidato prometia na campanha reverter o legado do antecessor em matérias que iam de saúde a política externa.

Rua em Havana, capital de Cuba (Foto: Pedro Szekely/Wikimedia Commons)

A partir de 2017, com a posse de Trump, a política em relação a Cuba volta a ser a de manutenção do embargo, demanda antiga da comunidade cubana da Flórida, anticastrista e conservadora.

As relações bilaterais permanecem, de forma gélida e sob críticas a respeito do histórico de direitos humanos do governo cubano. A meta dos EUA passa a ser de enforcar Havana economicamente.

“A política do meu governo será guiada pela segurança nacional e pelos interesses de política externa dos EUA, além da solidariedade com o povo cubano”, segundo memorando de junho de 2017.

Em 2018, toma posse o presidente cubano Miguel Díaz-Canel no lugar de Raúl Castro, irmão de Fidel. No mesmo ano, o país é classificado como parte da “troika da tirania”, ao lado de Venezuela e Nicarágua.

As viagens a Cuba também foram em grande medida diminuídas. Grupos de estudantes intercambistas, navios de cruzeiro e voos para cidades cubanas que não Havana foram encerrados. O fluxo de remessas sofreu restrições e houve sanções econômicas.

Até 2019, a maioria dos diplomatas no país retornaria a Washington e os cidadãos norte-americanos ganharam o direito de processar empresas que usem ativos dos EUA confiscados pelo governo cubano. Canadá e União Europeia condenaram a medida.

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