Relatório da Anistia Internacional aponta uso excessivo de força no Brasil

Documento cita as pessoas mortas em operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo durante a crise de segurança pública em 2023. Violência de gênero também foi destaque

A edição 2023/2024 do informe global “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, divulgado pela Anistia Internacional (AI) na quarta-feira (24), destaca várias violações de direitos humanos no Brasil. Entre elas estão o uso excessivo e desnecessário da força por agentes do Estado, a falta de medidas para reduzir a violência policial e a emergência nacional de saúde pública devido à falta de assistência ao povo Yanomami. Além disso, o relatório aponta um aumento significativo da pobreza e da extrema pobreza no país.

Durante a crise de segurança pública em 2023, pelo menos 394 pessoas foram mortas em operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo, de acordo com o documento. A Anistia Internacional destaca a necessidade de as autoridades garantirem que a aplicação da lei esteja em conformidade com os padrões de direitos humanos internacionalmente estabelecidos, especialmente no que diz respeito ao uso da força e ao controle da atividade policial.

Violência de gênero foi devidamente abordada no estudo (Foto: Portal Jornalismo ESPM/Divulgação)

Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, ressalta que a situação de descontrole no uso da força policial reflete a omissão e a inoperância do Ministério Público diante das violações de direitos humanos cometidas por agentes do Estado. Ela enfatiza que a impunidade prevalece, especialmente contra comunidades negras e periféricas.

O relatório também destaca que a maioria dos países das Américas não possui sistemas robustos de proteção aos defensores dos direitos humanos. Além disso, as autoridades continuam violando os direitos à vida, à liberdade, a julgamentos justos e à integridade física, enquanto detenções arbitrárias são generalizadas na região.

A violência baseada em gênero permanece arraigada em toda a região, segundo o relatório, e as autoridades não têm conseguido lidar com a impunidade desses crimes nem proteger mulheres, meninas e outros grupos em situação de vulnerabilidade.

Resumo dos pontos destacados no documento:

Violência policial
  • A violência policial, os homicídios ilegais e as detenções arbitrárias persistiram, afetando de maneira desproporcional as pessoas negras devido ao racismo sistêmico.
  • Entre julho e setembro de 2023, foram registradas pelo menos 394 mortes em operações policiais nos estados da Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo.
  • Autoridades, como o secretário executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, referindo-se à Bahia, enfatizaram a necessidade de uma abordagem mais enérgica diante do crime organizado.
  • O uso excessivo e desnecessário da força policial, inclusive letal, foi observado em diversos países da região, com casos frequentes de viés racista.
Defensores de direitos humanos
  • As Américas continuaram a ser uma das regiões mais perigosas para os defensores de direitos humanos, com aqueles que protegem o meio ambiente enfrentando riscos crescentes em vários países, incluindo Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, entre outros.
  • Defensores dos direitos humanos negros, indígenas e mulheres permaneceram particularmente em risco, enfrentando uma série de ameaças, desde assédio até assassinatos, por parte de governos e agentes não estatais.
Gênero
  • A violência de gênero, incluindo feminicídio, permaneceu uma triste realidade em toda a região, com as autoridades demonstrando uma falha sistemática em lidar com a impunidade desses crimes.
  • No México, a média alarmante de nove mulheres assassinadas por dia revela uma crise profunda, com a grande maioria dos casos permanecendo sem resolução efetiva.
  • No Canadá, a ONU destacou um aumento nos casos de mulheres e meninas indígenas desaparecidas ou assassinadas, além de altos índices de agressão e exploração sexual, especialmente próximo a locais de construção de oleodutos.
  • No Brasil, a criminalização do aborto continuou a resultar em mortes por abortos inseguros, enquanto esforços para descriminalizá-lo enfrentaram obstáculos, como a suspensão da votação pelo Supremo Tribunal Federal em setembro.
  • Medidas restritivas ao acesso ao aborto se expandiram em alguns países, afetando de maneira desproporcional pessoas negras e racializadas.
  • As autoridades são instadas a combater a impunidade dos crimes violentos contra mulheres e meninas, além de garantir o acesso a serviços de aborto seguro e outros direitos sexuais e reprodutivos, incluindo educação sexual abrangente.
Povos indígenas
  • Os povos indígenas continuaram a enfrentar violações de direitos humanos de forma desproporcional, com números alarmantes de afrodescendentes e indígenas entre as vítimas de deslocamento na Colômbia.
  • No Brasil, a ascensão de Sônia Guajajara como primeira-ministra dos Povos Indígenas marcou um ponto significativo, enquanto a declaração de emergência nacional de saúde pública evidenciou as condições precárias enfrentadas pelo povo Yanomami, devido à presença de atividades ilegais em seu território.
  • É imperativo que os Estados garantam aos povos indígenas a posse e o controle sobre suas terras e recursos, implementando políticas eficazes para combater a violência contra eles e garantir justiça e reparação pelas violações de direitos humanos sofridas.
Direitos sociais e econômicos
  • Após um aumento significativo durante a pandemia de Covid-19, as taxas de pobreza e extrema pobreza na região retornaram aos níveis pré-pandêmicos em 2023.
  • No entanto, os países da região ainda não adotaram as medidas necessárias para alcançar a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU de erradicar a pobreza até 2030.
  • Cerca de 30% da população da América Latina, totalizando 183 milhões de pessoas, continuou a viver na pobreza, enquanto 11,4%, ou 72 milhões, viviam em condições de extrema pobreza.
  • A desigualdade persiste como o principal desafio para promover um crescimento e desenvolvimento inclusivos na região, com 34% da renda total concentrada nas mãos dos 10% mais ricos da população.
  • Os Estados são instados a adotar medidas robustas, tanto fiscais quanto orçamentárias, para combater a pobreza e a desigualdade, garantindo o cumprimento de suas obrigações de direitos humanos, incluindo acesso à saúde, educação, moradia e seguridade social, além do acesso a serviços e bens essenciais.

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