Coreia do Norte investiga soldados que fizeram shows com referências sul-coreanas

Durante um show de talentos, militares teriam contado piadas e cantado músicas que remetem a figuras populares na Coreia do Sul

O governo da Coreia do Norte abriu uma investigação e promete aplicar punições após soldados se exibirem em um show de talentos com performances que remetem a figuras populares da vizinha democrática Coreia do Sul. As informações são da rede Radio Free Asia.

“Durante o show, alguns deles contaram piadas que lembravam comediantes sul-coreanos, e outros cantaram músicas como cantores sul-coreanos”, disse uma fonte norte-coreana que não se identificou por questões de segurança. “O Comitê Central [do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte] julgou ser uma grave violação de disciplina e ordenou uma investigação completa e a punição dos envolvidos”.

Kim Jong-un em escola militar de Pyongyang, junho de 2014 (Foto: Divulgação/Prachatai)

Historicamente, Pyongyang atua para impedir que seus cidadãos, sobretudo a juventude norte-coreana, tenham contato com o que vem da nação vizinha e do Ocidente de forma geral. O governo comunista teme que seus cidadãos se deixem influenciar pela prosperidade e pela vasta oferta cultural e venham a “trair sua pátria”.

Nesse sentido, em 2020, a Coreia do Norte aprovou a Lei de Eliminação do Pensamento e da Cultura Reacionários, que pune cidadãos por crimes ligados ao consumo de produtos culturais ocidentais, sobretudo norte-americanos e sul-coreanos. Assistir a filmes e programas de TV, manter ou distribuir mídia do gênero e outras ações semelhantes podem render até a pena de morte.

O caso dos militares investigados é considerado grave porque, segundo a fonte, são justamente eles que podem no futuro ser encarregados de reprimir manifestações do gênero. “Eles devem estar na vanguarda da proteção do sistema”, disse o informante, ressaltando que no show de talentos em que a apresentação ocorreu havia autoridades do governo presentes.

Além de apurar o episódio, Pyongyang iniciou sessões de reeducação para as tropas da província de North Hamgyong, no nordeste do país. “O Comitê Central expandirá muito os projetos políticos e ideológicos para todos os soldados e agentes”, afirmou uma segunda fonte anônima. “Essa expansão servirá para bloquear os canais de comportamento antissocialista que soldados e oficiais recentemente alistados podem trazer para suas unidades”.

Sete execuções

Há registros de ao menos sete pessoas executadas em público na Coreia do Norte na última década por distribuírem ou assistirem a vídeos de K-Pop, gênero musical sul-coreano classificado pelo líder Kim Jong-un como um “câncer vicioso”. A denúncia foi feita em dezembro de 2021 pelo grupo de direitos humanos Transitional Justice Working Group, com sede em Seul, e reproduzida pelo The New York Times.

Kim tem atacado impiedosamente o entretenimento sul-coreano, como músicas, filmes e seriados de TV, entre eles o sucesso global ‘Round 6’, que chega a abordar o drama dos desertores. Segundo o líder do Norte, as produções do Sul “corrompem as mentes dos norte-coreanos”.

A cultura pop da Coreia do Sul é descrita como uma invasão de influências “antissocialistas e não socialistas” que pode fazer a Coreia do Norte “desmoronar como uma parede úmida” caso não seja controlada. O regime de Kim reprime até mesmo as gírias sul-coreanas disseminadas entre os jovens, incluindo “oppa”, expressão que ganhou fama global na música Gangnam Style, do rapper Psy.

Kim já teve momentos de flexibilidade, liberando a música tema do filme Rocky na televisão estatal, por exemplo. Em 2018 ele até convidou as estrelas do Red Velvet, grupo formado só por meninas, para uma visita à capital Pyongyang, num período em que esteve envolto em gestos diplomáticos com o então presidente sul-coreano Moon Jae-in. Mas a repressão voltou com tudo já no ano seguinte, quando suas conversas com o presidente dos EUA Donald Trump fracassaram e a economia do país entrou em recessão.

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