Fome e criminalidade são parte da rotina de soldados norte-coreanos na pandemia

Militares que terminam o serviço militar encaram falta de alimentos e, muitas vezes, se envolvem em casos de assédio, furto e episódios de violência

Alimentação precária, longa jornada de trabalho e inserção na criminalidade. Desde o início da pandemia de Covid-19, os soldados norte-coreanos têm enfrentado sérios problemas no país comandado pela mão de ferro de Kim Jong-un, de acordo com a revista The Diplomat.

Em geral, as condições são ruins para toda a população da Coreia do Norte, que ainda mantém suas fronteiras fechadas para conter o avanço do coronavírus. Devido à pandemia, as condições pioraram, e a escassez de alimentos é um problema inclusive fora dos quartéis.

Entre os militares, o descontentamento aumenta devido aos deslocamentos a que são submetidos para trabalharem em fazendas, áreas atingidas por desastres ou canteiro de obras em geral. A decisão de realocar os soldados surgiu como resultado do encurtamento do serviço militar de 13 para oito anos, no caso dos homens, e de oito para cinco anos, no caso das mulheres.

Com a redução do tempo de serviço, os soldados dispensados acabaram sendo enviados posteriormente a áreas remotas do país para trabalhar. O problema é que o mau comportamento do efetivo causou estragos sociais, com casos de assédios contra mulheres e episódios de violência.

Escassez de alimentos, mão de obra pesada e roubos fazem parte da rotina dos soldados (Foto: Roman Harak/Wikimedia Commons)

A perspectiva de futuro também é limitada para esses militares. Uma vez enviados ao campo para trabalhar em uma fazenda, fica cada vez mais difícil subir na escala social e ter melhores oportunidades de emprego, ou mesmo ingressar no Partido dos Trabalhadores, que comanda o país.

Oficiais de alta patente, acima do posto de major, também têm sido afetados. Na província de Yanggang, por exemplo, ao longo da fronteira com a China, eles ajudam na construção de estruturas improvisadas erguidas para evitar travessias e deserções.

Os oficiais são escolhidos para atuar nas regiões fronteiriças do país porque as autoridades temem que soldados alistados – que têm escassas rações de comida e condições de vida precária – podem desertar se enviados a tais áreas.

“Embora majores, tenentes-coronéis e coronéis tenham sido mobilizados para o trabalho, eles são tão magros que parecem desnutridos”, disse uma fonte sob anonimato. “Os oficiais parecem tão indispostos que nem é preciso dizer que os recrutas devem estar ainda piores”.

Criminalidade

Diante de um cenário de trabalho em excesso e pouca comida, os soldados, além de roubarem casas, atacam também instalações de armazenamento de alimentos de agências governamentais.

“Alguns soldados estão tão fracos por causa da desnutrição, devido à falta de comida, que são colocados em enfermarias militares quando tentam escapar [depois de serem pegos roubando], mas são espancados até virar polpa por civis”, explicou uma fonte. Segundo o informante, os soldados destacados para aquela área sobrevivem com apenas uma refeição à base de raízes retiradas das encostas.

A falta de equipamentos de construção e outros insumos também dificulta o trabalho dos soldados. Na província de Yanggang, as autoridades forneceram apenas 40% dos suprimentos necessários para as obras naquela área. A precariedade é tão acentuada que alguns oficiais de logística são obrigados a vender parte do material de construção para alimentar seu contingente.

“Os oficiais de logística encarregados de alimentar as tropas não têm nada e não estão recebendo ajuda nem das localidades, nem de Pyongyang. Então, eles estão [vendendo] vergalhão, cimento e areia e comprando batatas recém-colhidas ou milho para alimentar os soldados”, explicou uma fonte.

Mesmo diante da atmosfera de crise humanitária, a Coreia do Norte afirma que suas “medidas de prevenção à Covid-19 não estão violando os direitos humanos de seu povo”, embora um relatório da ONU divulgado na semana passada mostre o contrário. Com o país continuando a rejeitar a ajuda externa e dobrando os esforços para bloquear a fronteira, o povo norte-coreano terá um longo e difícil inverno pela frente.

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