Justiça australiana nega difamação e diz que militar condecorado é ‘criminoso’

Ben Roberts-Smith perdeu ação movida contra três jornais que relataram os assassinatos de prisioneiros afegãos desarmados

A Justiça da Austrália emitiu na quinta-feira (1º ) uma sentença refutando a alegação de calúnia e difamação feita por Ben Roberts-Smith, o mais condecorado dos militares australianos vivos, em uma ação movida contra três jornais locais. A derrota legal tem um efeito mais amplo, ao estabelecer que o soldado é um criminoso de guerra responsável pelas mortes de prisioneiros afegãos desarmados. As informações são do jornal The Guardian.

Os crimes de guerra foram revelados pelos jornais Age, Sydney Morning Herald e Canberra Times em 2018. Um dos casos havia ocorrido em 2012, quando o militar jogou de um penhasco um prisioneiro algemado identificado como Ali Jan, que sobreviveu à queda de dez metros. Então, Roberts-Smith agrediu novamente o homem e posteriormente ordenou a um subordinado que o executasse.

No julgamento foram citados doutros dois assassinatos atribuídos ao militar. Ambos ocorreram durante uma operação em um complexo afegão identificado como Whiskey 108, em 2009. Durante a missão, as forças australianas encontraram dois afegãos escondidos em um túnel, um idoso e um jovem com uma prótese na perna. Roberts-Smith ordenou que um soldado executasse sumariamente o mais velho, enquanto ele próprio matou o mais jovem com tiros de metralhadora.

O militar australiano Ben Roberts-Smith (terno azul e gravata vermelha), acusado de crimes de guerra no Afeganistão (Foto: Arlington National Cemetery/Flickr)

Entre as revelações macabras feitas por testemunhas que combateram ao lado do condecorado militar, a de que a prótese do afegão assassinado foi guardada pelo batalhão como um troféu. Em mais de uma ocasião, soldados a teriam usado como um recipiente para armazenar e consumir bebida alcoólica.

Na sentença, o juiz negou a alegação de que as matérias jornalísticas foram difamatórias e caluniosas, considerando que os jornais conseguiram provar a veracidade dos fatos noticiados. O magistrado ainda afirmou que o militar é um “criminoso” que “quebrou as regras morais e legais do engajamento militar”.

O “julgamento do século”, como a mídia australiana vinha chamando o caso, começou com um processo movido por Roberts-Smith em 2019, um ano após as publicações das matérias pelos três jornais. Com a derrota, o militar tende a arcar com uma fortuna em custas processuais, estimadas em mais de US$ 35 milhões. Ele, porém, não compareceu ao tribunal, vez que atualmente está de férias em Bali, na Indonésia.

Em um primeiro momento, o soldado anunciou sua saída do cargo de gestão que ocupava na empresa de comunicação Seven West Media, cujo dono, o magnata Kerry Stokes, arcou com parte dos custos da ação judicial.

O militar provavelmente perderá inclusive a Cruz Vitória, mais alta condecoração militar oferecida na Austrália, que ele recebeu do governo pela “mais notável bravura” em uma batalha de 2010. A honraria foi dada como garantia pelo soldado em um empréstimo de US$ 2 milhões, e a derrota legal significa que ele precisará arcar com o prejuízo.

Entretanto, como a ação foi movida na esfera cível, não levará a uma condenação criminal do soldado pelos crimes cometidos.

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