Nepaleses pressionam o governo por notícias de familiares que lutam pela Rússia na guerra

Cidadãos do Nepal se juntam às forças russas de olho no salário vantajoso, mas há quem tenha sido enganado para ir lutar

Sob a promessa de salários atraentes, centenas de homens nepaleses aceitaram se juntar às forças da Rússia na guerra da Ucrânia. Desde que eles se apresentaram para combater, familiares alegam ter recebido pouca ou nenhuma informação sobre os combatentes, o que leva muitas pessoas a protestar contra o governo do Nepal para que interceda em busca de notícias. O relato é do jornal South China Morning Post.

O governo do Nepal afirma que há ao menos 200 cidadãos do país servindo às forças russas na guerra da Ucrânia. Um político local diz que na verdade são mais de 700, enquanto nepaleses que foram à Rússia alegam que há milhares de nepaleses nas tropas de Moscou.

Nas últimas semanas, muitos familiares desses homens fizeram um protesto pacífico no Nepal, inclusive em frente à Embaixada da Rússia em Katmandu. Alguns chegaram a ser detidos pela polícia nepalesa sob a alegação de que protestavam em áreas restritas. O protesto só terminou após o governo prometer que ouviria as demandas.

Soldados do exército da Rússia (Foto: reprodução/Facebook)

Os recrutados seriam principalmente jovens nepaleses desempregados que teriam se alistado em troca de um passaporte russo, do visto de viagem e de vencimentos até seis vezes superiores ao salário mínimo local, que é de US$ 130 (R$ 660). Há inclusive relatos de homens que pagaram a recrutadores para que os trâmites com as forças russas fossem facilitados.

Em dezembro do ano passado, as forças de segurança do Nepal realizaram uma operação que terminou com a prisão de dez pessoas suspeitas de participar do esquema de recrutamento. Na ocasião, muitos jovens alegaram ter sido enganados pelos indivíduos, que haviam prometido empregos na Rússia sem revelar que na verdade o contrato era com as Forças Armadas.

Aqueles que embarcam rumo à Rússia invariavelmente perdem contato com os familiares, que alegam não saber se os homens estão vivos ou mortos. Mesmo os que viajam conscientes de que combateriam na guerra não conseguem manter contato. Em pare, a falta de apoio do governo local está atrelada à ilegalidade da situação.

O Nepal mantém acordos com Índia e Reino Unido que autorizam seus militares a atuarem legalmente nas Forças Armadas dessas nações. Tal pacto, entretanto, não existe com a Rússia, portanto os nepaleses são proibidos de servir militarmente a Moscou.

Ante à irregularidade, o governo nepalês manifestou sua insatisfação perante Moscou, solicitando que todos os nepaleses eventualmente recrutados para servir às Forças Armadas russas fossem autorizados a voltar para casa.

Oficialmente, o Nepal alega que foi contatado por 200 famílias em busca de informações e que 19 cidadãos foram confirmados como mortos na guerra. No entanto, cidadãos que combateram por Moscou e conseguiram escapar dizem que há entre oito mil e 14 mil compatriotas na guerra, com centenas de mortos.

Nepal contra a guerra

O governo do Nepal chegou a se posicionar contra o conflito na Ucrânia perante a ONU (Organização das Nações Unidas). De acordo com a rede Deutsche Welle (DW), o país asiático deixou de lado a habitual neutralidade e votou contra a invasão russa ainda em março de 2022, com menos de um mês de guerra.

O que ajuda a explicar o posicionamento de Katmandu é a recente inclinação para o lado dos EUA e de seus aliados ocidentais, algo que inclusive gerou insatisfação entre os partidos pró-China da política local.

Além disso, o Nepal, cujo território está espremido entre duas potências, China e Índia, vê no conflito em curso na Europa um exemplo do que poderia vir a acontecer caso um de seus dois vizinhos resolvesse anexar o território nepalês, como tem tentado fazer Moscou.

Nesse cenário, uma eventual vitória russa sobre a Ucrânia poderia encorajar outras nações a agirem da mesma forma. Um temor que o Nepal compartilha por exemplo com Taiwan, sob constante ameaça de uma invasão chinesa.

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