Bachelet relata violações na Ucrânia: “Podem constituir crimes de guerra”

Comissária cita mortos e desaparecidos, abusos sexuais e destaca o caso de dez idosos que morreram trancados em um porão

O Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou, na quinta-feira (12), uma resolução que estabelece a abertura de uma investigação contra a Rússia pelos abusos cometidos por suas tropas na Ucrânia. Foram 33 votos a favor, 12 abstenções e apenas dois contrários, esses da China e da Eritreia. O Brasil votou a favor.

Na mesma sessão, a alta comissária para os direitos humanos, Michelle Bachelet, descreveu os abusos observados pelos analistas de sua equipe que visitaram a Ucrânia. “Meu gabinete continua verificando alegações de violações das leis internacionais de direitos humanos e das leis humanitárias internacionais, muitas das quais podem constituir crimes de guerra“, afirmou.

Bachelet voltou a destacar que os números reais de civis mortos na guerra devem ser bem maiores que os divulgados oficialmente até agora. “Nossos números referem-se apenas aos casos que pudemos verificar. Em áreas de intensas hostilidades, notadamente Mariupol, tem sido difícil para minha equipe ter acesso, obter e corroborar informações”.

Ainda de acordo com Bachelet, mais de mil corpos de civis foram recuperados apenas em Kiev. “Algumas dessas pessoas foram mortas nas hostilidades, outras parecem ter sido sumariamente executadas. Outros ainda morreram por causa do estresse à saúde causado pelas hostilidades e pela falta de assistência médica”.

E, apesar de os incidentes terem sido registrados dos dois lados do conflito, a comissária afirma que as forças armadas da Rússia são as principais responsáveis. “A grande maioria continua a ser causada pelo uso de armas explosivas com efeitos de ampla área em regiões povoadas, como bombardeios de artilharia pesada”, declarou.

A Missão de Monitoramento na Ucrânia visitou 14 cidades e vilarejos em Kiev e Chernihiv. “Minha equipe ouviu relatos em primeira mão de parentes, vizinhos e amigos sendo mortos, feridos, detidos e desaparecidos”, disse a comissária.

A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em pronunciamento em evento do jornal norte-americano “New York Times”, em março de 2013 (Foto: UN Women/Catianne Tijerina)
Mortes em porão superlotado

A chefe de direitos humanos relatou o caso de 360 pessoas de um vilarejo em Chernihiv, incluindo 74 crianças e cinco pessoas com deficiência, que foram forçados pelos russos a permanecer por 28 dias no porão superlotado de uma escola. “As pessoas tinham que ficar sentadas por dias, sem oportunidade de se deitar. Não havia instalações sanitárias, água ou ventilação. Dez idosos morreram”, disse Bachelet.

No norte de Kiev, ela diz que foram registradas ao menos 300 mortes suspeitas, algumas com indícios de execuções sumárias. “Esses assassinatos de civis muitas vezes pareciam ser intencionais, realizados por franco-atiradores e soldados. Civis foram mortos ao atravessar a estrada ou deixar seus abrigos para buscar comida e água”, relatou. “Outros foram mortos enquanto fugiam em seus veículos. Homens locais desarmados foram mortos porque os soldados russos suspeitavam que eles apoiassem as forças ucranianas ou fossem uma ameaça potencial, e alguns foram torturados antes de serem mortos”.

Bachelet ainda relatou ao Conselho dezenas de casos abusos sexuais e centenas de desaparecimentos forçados, além da destruição de centenas de escolas, hospitais e de milhares de casas. “Estou preocupado com as alegações de violência sexual que surgiram em áreas da região de Kiev que anteriormente estavam sob o controle das forças armadas russas. Houve casos de estupro e assassinato de vítimas ou seus parentes”.

O massacre de Bucha

A pressão global por punições à Rússia, às suas tropas e ao presidente Putin aumentou bastante depois que os corpos de dezenas de pessoas foram encontrados nas ruas de Bucha, quando as tropas locais reconquistaram a cidade três dias após a retirada do exército russo. As imagens dos mortos foram divulgadas pela primeira vez no dia 2 de abril, por agências de notícias, e chocaram o mundo.

As fotos mostram pessoas mortas com as mãos amarradas atrás do corpo, um indício de execução. Outros corpos aparecem parcialmente enterrados, com algumas partes à mostra. Há também muitos corpos em valas comuns. Nenhum dos mortos usava uniforme militar, sugerindo que as vítimas são civis.

“O massacre de Bucha prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, em sua conta no Twitter.

Civis mortos nas ruas de Bucha cidade ucraniana (Foto: reprodução/Twitter)

Moscou, por sua vez, nega as acusações. Através do aplicativo russo de mensagens Telegram, o Ministério da Defesa russo disse que, “durante o tempo em que a cidade esteve sob o controle das forças armadas russas, nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”. O texto classifica as denúncias como “outra farsa, uma produção encenada e provocação do regime de Kiev para a mídia ocidental, como foi o caso em Mariupol com a maternidade“.

Entretanto, imagens de satélite da empresa especializada Maxar Technologies derrubam o argumento da Rússia. O jornal The New York Times realizou uma investigação com base nessas imagens e constatou que objetos de tamanho compatível com um corpo humano aparecem na rua Yablonska entre 9 e 11 de março. Eles estão exatamente nas mesmas posições em que foram descobertos os corpos quando da chegada das tropas ucranianas, conforme vídeo feito por um residente da cidade em 1º de abril.

Mais recentemente, Kiev alegou que apenas em Mariupol, que tem sido o principal alvo das tropas russas, foram encontrados ao menos 20 mil corpos de civis mortos. E acusa os soldados russos de depositarem cerca de nove mil cadáveres em valas comuns em Manhush, uma vila próxima à cidade portuária. Ao levar os corpos para outra localidade, o objetivo das tropas de Moscou seria esconder as evidências de crimes.

Vadym Boychenko, prefeito de Mariupol, comparou a descoberta ao massacre de Babi Yar, um fuzilamento em massa comandado nas proximidades de Kiev pelos nazistas em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial. Os corpos de cerca de 33 mil pessoas, essencialmente judeus, foram encontrados em valas comuns na ocasião.

“O maior crime de guerra do século 21 foi cometido em Mariupol. Este é o novo Babi Yar. Então, Hitler matou judeus, ciganos e eslavos. Agora, Putin está destruindo os ucranianos”, disse Boychenko. “Precisamos fazer tudo o que pudermos para impedir o genocídio”.

Os mortos de Putin

Desde que assumiu o poder na Rússia, em 1999, o presidente Vladimir Putin esteve envolvido, direta ou indiretamente, ou é forte suspeito de ter relação com inúmeros eventos, que levaram a dezenas de milhares de mortes. A lista de vítimas do líder russo tem soldados, civis, dissidentes e até crianças. E vai aumentar bastante com a guerra que ele provocou na Ucrânia.

Na conta dos mortos de Putin entram a guerra devastadora na região do Cáucaso, ações fatais de suas forças especiais que resultaram em baixas civis até dentro do território russo, a queda suspeita de um avião comercial e, em 2022, a invasão à Ucrânia que colocou o mundo em alerta.

A Referência organizou alguns dos principais incidentes associados ao líder russo. Relembre os casos.

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