Baixas elevadas na guerra levam Rússia e Ucrânia a ampliar o recrutamento militar

Moscou oferece bons salários e tenta convencer os russos de que ir à guerra é seguro. Kiev recorre à convocação de seus cidadãos

Rússia e Ucrânia não divulgam balanços periódicos confiáveis de mortos e feridos na guerra. Assim, as melhores fontes de informação nesse sentido são investigações conduzidas por veículos de imprensa independentes ou estimativas de governos estrangeiros. Estatísticas à parte, uma medida adotada pelos dois governos indica que as baixas vão além do que ambas as Forças Armadas podem suportar. Trata-se do recrutamento militar.

Nas últimas semanas, Moscou e Kiev voltaram a se movimentar para injetar novos combatentes em suas fileiras. Do lado russo, a estratégia mais eficiente se concentra na propaganda estatal e nos vantajosos benefícios oferecidos àqueles que têm interesse em ir à guerra como soldados profissionais. Kiev, por sua vez, aposta no recrutamento obrigatório de cidadãos, estratégia que já foi usada pela Rússia no passado.

Em setembro de 2022, o presidente Vladimir Putin anunciou uma mobilização nacional para adicionar 300 mil novos indivíduos às Forças Armadas. A medida foi mal recebida pela população, gerando um êxodo de homens em idade militar e ocasionando protestos populares devidamente reprimidos pelas autoridades. Como a carência de combatentes não diminuiu, Moscou passou a usar o dinheiro para tentar seduzir os russos.

Cerimônia das Forças Armadas da Rússia em homenagem a militares mortos (Foto: Facebook/mod.mil.rus)

Na quarta-feira (3), o Ministério da Defesa da Rússia, em seu canal no Telegram, anunciou que mais de cem mil pessoas ingressaram nas Forças Armadas voluntariamente somente em 2024. Segundo Moscou, são cerca de 1,7 mil pessoas alistadas diariamente, 16 mil somente nos dez dias anteriores à publicação do comunicado.

Os números não são confiáveis, considerando o hábito do governo russo de usar veículos oficiais para disseminar propaganda estatal baseada em dados forjados. Ainda assim, não é difícil acreditar que essa mesma máquina de propaganda seja usada para seduzir cidadãos, atraídos pela expectativa de ganho financeiro e por falsos relatos de que o sucesso das tropas no campo de batalhas reduz o risco para a vida dos combatentes russos.

De acordo com o site britânico Forces Network, especializado em temas militares, a Rússia aumentou em 10,5% os salários dos combatentes em 2023, justamente a fim de atrair mais interessados. Atualmente, o ganho inicial é de 160 mil rublos (R$ 8,8 mil) ao mês, vencimento considerado bom no país, onde a média mensal é de 71,4 mil rublos (R$ 3,9 mil).

“Estima-se que este valor seja mais de uma dúzia de vezes superior à média em muitas das regiões mais pobres e remotas do país, onde muitas das tropas de Vladimir Putin estão sendo recrutadas”, diz o site. 

Paralelamente, Putin anunciou nesta semana o recrutamento periódico de cidadãos, cujo objetivo é adicionar às Forças Armadas cerca de 150 mil homens a partir dos 18 anos. Antes, em julho de 2023, o parlamento local já havia aumentado a idade máxima de 27 para 30 anos, a fim de ampliar o alcance do alistamento militar obrigatório.

O recrutamento periódico é feito duas vezes ao ano, e legalmente os convocados não podem ir à guerra. “Os recrutas não serão enviados aos pontos de destacamento das Forças Armadas nas novas regiões da Rússia – as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk, regiões de Kherson e Zaporizhzhya – ou para executar tarefas da operação militar especial”, prometeu o Ministério da Defesa, segundo relato do jornal South China Morning Post.

Porém, durante o serviço militar obrigatório de 12 meses, o governo russo tende a bombardear os recrutas com propaganda, a fim de convencer o maior número possível a firmar um contrato profissional posterior ao treinamento e assim colocar-se em condições legais de ir à guerra.

Quanto a uma nova mobilização, Moscou tem negado qualquer intenção nesse sentido. No entanto, o site investigativo Vyorstka afirmou no final de março que existe, sim, um projeto nesse sentido, com a meta de adicionar mais 300 mil indivíduos às Forças Armadas. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que também recebeu informações nesse sentido, de acordo com o jornal The Moscow Times.

Recrutamento ucraniano

A escassez de mão de obra militar é também um problema para a Ucrânia, que recentemente reduziu a idade mínima de recrutamento para ir à guerra, baixando-a de 27 para 25 anos, segundo a agência Associated Press (AP). A lei já havia sido aprovada pelo parlamento no ano passado e nesta semana foi assinada por Zelensky.

E o governo tende adotar medidas ainda mais severas, conforme debate um novo texto que ampliaria o alcance do recrutamento e imporia punições duras aos que recusassem a convocação.

Em fevereiro, o think tank Center For European Policy Analysis publicou um artigo assinado por Mykyta Vorobiov que aborda a questão. Segundo o texto, todos os ucranianos em idade militar, dos 18 aos 60 anos, teriam que criar uma conta digital através da qual poderiam ser convocados. Sanções seriam impostas aos desertores.

“Essas punições incluiriam a proibição do uso de serviços consulares no exterior e o bloqueio de contas bancárias de recrutas”, diz o artigo. “A proibição consular levanta questões sobre dezenas de milhares de homens ucranianos que vivem fora da Ucrânia, que foram repetidamente convidados a regressar para lutar pelo seu país. O ressentimento relativamente à sua ausência está crescendo.”

Mortos e feridos

Como Moscou, Kiev não divulga dados oficiais de mortos, mas Zelensky tocou no assunto em fevereiro. Segundo ele, 31 mil ucranianos foram mortos na guerra. Do lado russo, o balanço mais recente proveniente de uma fonte estatal é de janeiro de 2023, de acordo com a rede Sky News: somente seis mil mortos.

As análises independentes, porém, são bem mais duras. No início de março, o Ministério da Defesa britânico calculou 355 mil baixas entre os russos, contando-se aí mortos e feridos, conforme relatou a rede Euronews. Os números são semelhantes aos sugeridos pela inteligência norte-americana em dezembro de 2023, de 315 mil baixas russas, segundo a agência Reuters.

Do lado ucraniano, o balanço de entidades independentes também é pior que o sugerido por Zelensky. O jornal The New York Times afirmou, em agosto do ano passado, que até ali haviam morrido cerca de 70 mil ucranianos, com algo entre 100 mil e 120 mil feridos. Os dados foram sugeridos por autoridades norte-americanas ouvidas sob condição de anonimato.

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