Falta de treinamento, corrupção e outros problemas comprometem ofensiva decisiva do Exército da Rússia

Militares denunciam abusos, equipamentos escasso e falsos relatos de vitórias conforme buscam avanço significativo em nova campanha

Com grande vantagem numérica e em armamentos, a Rússia lançou nas últimas semanas uma nova ofensiva de verão no leste da Ucrânia. Mas, apesar da força bruta, o avanço segue em ritmo lento e marcado por denúncias de corrupção, abusos e falta de preparo das tropas, uma situação detalhada por blogueiros militares russos e especialistas ouvidos pelo jornal The Washington Post.

Segundo o analista militar independente Ian Matveev, as chances de uma virada decisiva nos próximos meses são pequenas. “Essas [táticas de assalto em massa] são a única coisa que o Exército russo é capaz de fazer no momento. E é muito desumano porque, na prática, pessoas mortas estão sendo trocadas por território”, afirmou. Para ele, as deficiências em treinamento, logística, inteligência e comando impedem operações complexas.

Blogueiros pró-guerra que acompanham o conflito de perto relatam que soldados são enviados para combates praticamente suicidas, muitas vezes sem suporte de artilharia, devido a informações falsas de que determinadas vilas já foram tomadas. Há ainda denúncias de que comandantes exigem subornos para poupar soldados de missões fatais e punem subordinados com confinamento ou envio proposital para a morte.

Soldados russos durante parada militar em Moscou, maio de 2024 (Foto: eng.mil.ru)

Casos como o de Dmitry Lysakovsky e Sergei Gritsai, operadores de drones mortos em missão após denunciarem corrupção interna, ganharam repercussão em todo o país. Em vídeo gravado pouco antes de morrer, Lysakovsky alertava: “Estou gravando este vídeo porque há uma grande probabilidade de eu não voltar desta missão. A principal tarefa que temos agora é sobreviver, e a deles é garantir que não sobrevivamos.”

As condições precárias no front incluem falta de equipamentos básicos. Soldados relatam depender de vaquinhas online para adquirir desde coletes à prova de balas e geradores até unidades Starlink e alimentos. “Enquanto um soldado for obrigado a gastar metade de seu salário com batatas, cebolas, carne, drones e munição, ele não vai aceitar o ‘patriotismo’ que é forçado sobre ele”, escreveu o blogueiro militar conhecido como “Filólogo na Emboscada”.

Apesar do cenário adverso, o Kremlin vem atraindo novos recrutas com salários altos e bônus de alistamento que superam 3 milhões de rublos (R$ 210 mil) anuais. Matveev diz que muitos russos são seduzidos pela propaganda e pela promessa de estabilidade financeira: “Eu compararia isso a ganhar na loteria”, diz ele, referindo-se à grande possibilidade de morrer em combate. “A propaganda continua dizendo a eles que as coisas estão bem no front e, claro, eles pensam: ‘Vou ficar bem.’”

Um caso emblemático do fracasso previsto da nova ofensiva é recente tentativa de avanço em direção à cidade de Sumy, no norte da Ucrânia, que fracassou, segundo o comandante ucraniano, general Oleksandr Syrsky. Mesmo blogueiros pró-Kremlin reconhecem as dificuldades: “Sem reforços significativos aqui, não conseguiremos empurrar as Forças Armadas da Ucrânia de volta”, escreveu Yuri Podolyaka.

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