Grandes marcas deixaram a Rússia, mas seus produtos ainda chegam ao consumidor local

Novas rotas de comércio, importação paralela e viagens ao exterior permitem ao cidadão russo continuar consumindo os mesmos itens de sempre

Desde a invasão da Ucrânia, há exatamente um ano, mais de mil empresas ocidentais deixaram de operar na Rússia, segundo levantamento feito pela Universidade de Yale, nos EUA. São companhias que querem evitar o risco de desobedecer as sanções ocidentais, ou mesmo a reação negativa da opinião pública caso continuem a lucrar no país que causou a guerra. Ainda assim, os russos continuam tendo acesso a esses produtos, e o impacto das penalizações tem sido mínimo na rotina a população local. É o que mostra reportagem da agência Reuters.

Para o cidadão russo, o maior prejuízo não é a perda de acesso a produtos ocidentais. O impacto mais sentido foi o prazo para obter determinados itens, que se tornou mais longo. As rotas de abastecimento tiveram que mudar, tornando-se mais longas e complexas. E o governo russo facilita ao máximo esse processo, ignorando eventuais irregularidades que a importação possa ocasionar.

Anúncio da Coca-Cola em Moscou, dezembro de 2015 (Foto: Wikimedia Commons)

No setor de vestuário, muitas vezes o próprio consumidor faz as vezes de importador. Foi assim com Albina, uma mulher de 32 que levou para Rússia, desde Minsk, em Belarus, cerca de 33 mil rublos (R$ 2,24 mil) em roupas de marcas famosas como a Zara. Isso porque a grife espanhola continua no país do ditador Alexander Lukashenko, diferente de onde outras marcas que também se retiraram de lá devido à aliança entre o governo belarusso e Vladimir Putin.

A mulher conta que outros cidadãos russos vivendo no exterior ajudaram a criar uma grande rede de importação para alimentar o mercado local. “Existem páginas no Instagram, no Telegram e garotas que conheço que se mudaram para a Europa, Istambul ou Dubai. Elas coletam pedidos, digamos em Istambul, recebem de 15% a 30% (como comissão), depois os entregam aqui e você paga pela entrega”.

Em setembro do ano passado, Belarus havia registrado um aumento de 60% nas reservas de passeios turísticos feitas por cidadãos russos, com voos e trens diários provenientes da Rússia, de acordo com a Associação de Operadores de Turismo de Moscou.

Para viajar à ex-república soviética, os russos não precisam de passaporte ou visto, um importante facilitador, considerando que apenas 30% dos cidadãos na Rússia possuem passaporte. Assim, Belarus tornou-se, logo nos primeiros meses de guerra, um importante centro de comércio para o consumidor russo.

Outra nação que mantém boa relação com o Kremlin e tem servido como rota de produtos ocidentais é a Turquia. A CDEK Forward, que entrega em países estrangeiros produtos comprados em sites de comércio eletrônico, diz que os pedidos em território turco aumentaram sete vezes.

“É como ir pessoalmente a uma loja Zara em Nova York, comprar algo lá e enviar para seus amigos em Moscou”, explica Dinara Ismailova, diretora de marketing da empresa. Segundo ela, o faturamento da CDEK Forward dobrou no ano passado, sendo que 80% desse aumento deve-se a entregas de roupas.

Importação paralela

O que também ajuda a manter o mercado russo abastecido é a importação paralela. Para viabilizar esse sistema, o Kremlin fez uma lista de bens que podem ser importadas mesmo sem a aprovação da empresa que os produz. Assim, é possível comprar o produto de terceiros e revendê-los na Rússia.

A importação paralela envolve, na maioria dos casos, países da União Econômica Eurasiática (UEE), cujos membros compartilham uma união aduaneira com Moscou, que lidera a iniciativa. São eles Armênia, Belarus, CazaquistãoQuirguistão.

A China, mais importante aliada política de Vladimir Putin, também ajuda a levar determinados produtos aos russos. Entre eles a Coca-Cola, que parou de produzir na Rússia, mas continua chegando ao país. E sempre vai às prateleiras com o rótulo de produto importado, para deixar claro ao cidadão local que trata-se da versão original, não de uma cópia.

Segundo um funcionário de uma rede varejista russa, a bebida segue à disposição do consumidor. “Contatos foram rapidamente estabelecidos e novos contratos com novos parceiros foram assinados. Novos fluxos de dinheiro e cadeias de suprimentos logísticos com empresas turcas, polonesas e cazaques foram lançados”, disse ele sob condição de anonimato, admitindo, porém, que o preço aumentou.

A inflação no caso desses produtos, porém, tende a ser contida conforme as novas rotas de distribuição se estabeleçam, reduzindo assim o custo de logística.

Segundo Ram Ben Tzion, CEO da plataforma de verificação digital Publican, os países que servem como intermediários nesse novo sistema de abastecimento têm registrado um aumento da demanda pela Coca-Cola. “Não é do interesse deles fazer nada a respeito”, afirma ele, referindo-se à empresa de bebidas.

Aos que não querem pagar mais caro para consumir o mesmo produto, há também as opções locais. Por exemplo, no lugar do mais famoso refrigerante do mundo, os consumidores russos podem optar pela CoolCola, produzida pela Ochakovo, maior empresa do setor cervejeiro e não-alcoólico da Rússia.

O Caso do McDonald’s, outra empresa ocidental que deixou a Rússia, é um pouco diferente. Os ativos da rede de lanchonetes foram vendidos no país, e o empresário local que os comprou lançou um substituto, o Vkusno i tochka. Ele aproveitou toda a estrutura para que seu negócio seja o mais parecido com o anterior. E para que o consumidor russo tente se lembrar de como era a vida antes da guerra.

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