Margarita Murakhtayeva, filha da jornalista russa Irina Slavina, revelou nesta quarta-feira (23) que recebeu uma multa de 30 mil rublos (R$ 2,66 mil) sob a acusação de “desacreditar as forças armadas da Rússia“. A mãe dela morreu há dois anos ao atear fogo ao próprio corpo, em protesto contra a perseguição estatal. As informações são da rede Radio Free Europe (RFE).
A jovem usou sua conta no Facebook para anunciar a multa. Ela foi aplicada depois que Margarita, em outubro deste ano, realizou um protesto solitário contra a guerra desencadeada pela invasão russa à Ucrânia.
O referido protesto ocorreu no mesmo local onde a mãe havia se matado. Margarita exibiu um cartaz com a frase “Minha mãe diria: ‘Putin, vá para o inferno com sua guerra’. Mas Putin já a matou”.
No post em que anunciou a punição, Margarita revelou que enfrentou muitos problemas ultimamente por fazer oposição ao governo. “Em quase dois meses perdi meu emprego, recebi muitas críticas, perdi toda a esperança de um futuro nesse país, mas nunca me arrependo do que disse”, escreveu ela.
A jovem também sugeriu na publicação que não pretende pagar a multa imposta pela Justiça. “Só há uma conclusão: não quero alimentar mais o Estado, por isso vou seguir um caminho diferente”.
Crítica ao Kremlin, a mãe de Margarita teve a casa invadida e revistada pelas autoridades na cidade de Nijni, a 422 quilômetros de Moscou, no início de outubro de 2020. Então, em frente do quartel da polícia, em protesto, a jornalista ateou fogo ao próprio corpo e morreu no local.
Segundo Slavina, os agentes que fizeram a busca procuravam uma relação entre ela e o grupo de oposição Open Russia, com o qual ela sempre negou ter qualquer relação.
“Culpe a Federação Russa por minha morte”, disse ela, antes de morrer, ao portal independente Koza Press, do qual era fundadora. O veículo se destacou com reportagens investigativas sobre a FSB (Agência de Segurança Federal), a mais poderosa instituição de segurança estatal do país.
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Os protestos coletivos desapareceram das ruas a partir do momento em que a Justiça local passou a usar a pandemia de Covid-19 como pretexto para punir grandes manifestações, alegando que o acúmulo de pessoas feria as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver manifestantes solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 25,5 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
O cenário mudou com a mobilização militar parcial anunciada por Putin no dia 20 de setembro. O risco de serem obrigados a lutar na Ucrânia levou milhares de reservistas a fugir do país, com fronteiras lotadas em países como Geórgia, Mongólia e Cazaquistão. Entre os que ficaram, a ideia de aceitar a convocação não é unanimidade, e protestos populares voltaram a ser registrados em todos os cantos.
Somente na primeira semana que sucedeu o anúncio, a ONG OVD-Info, que monitora a repressão estatal na Rússia, registrou quase 2,5 mil detenções em protestos populares contra a mobilização. E o número real de detidos tende a ser maior, vez que a entidade contabiliza somente os nomes que confirmou e que foi autorizada a divulgar, tendo sempre como base as listas fornecidas pelas autoridades.