Moscou e Kiev se acusam, escondem informações e mantêm mistério sobre queda de avião russo

Rússia insiste que a aeronave levava 65 prisioneiros, enquanto a Ucrânia alega que apenas cinco corpos foram levados ao necrotério

Como em tantos outros episódios da guerra da Ucrânia, pouca coisa está clara sobre a queda do avião militar modelo IL-76, da Força Aérea da Rússia, que caiu na região de Belgorod na quarta-feira (24). Embora os indícios apontem que uma ação ucraniana derrubou a aeronave, nem isso se pode dizer com convicção. Conforme os governos trocam acusações, o episódio alimenta a batalha de desinformação entre Kiev e Moscou, com os propagandistas russos em ação e acusações direcionadas até ao Ocidente.

De acordo com a Rússia, a queda do avião matou 74 pessoas, sendo seis tripulantes e três militares, todos russos, além de 65 prisioneiros de guerra ucranianos que seriam incluídos em uma troca com a Ucrânia. A agência de notícias RIA Novosti inclusive publicou uma lista com os nomes dos prisioneiros supostamente mortos.

Entretanto, a inteligência de Kiev disse na sexta-feira (26), segundo reportou a rede CNN, que somente cinco corpos chegaram ao necrotério de Belgorod. Tal informação, que carece de verificação independente, serviria para desmentir a alegação russa e justificar a ucraniana, segundo a qual a aeronave transportava mísseis S-300.

Avião da Força Aérea da Rússia Ilyushin IL-76MD, semelhante ao que caiu em Belgorod (Foto : Fyodor Leukhin/WikiCommons)

De acordo com Andriy Yusov, porta-voz da Inteligência de Defesa da Ucrânia, o número de corpos que estão agora no necrotério é compatível com a lista de tripulantes do avião à qual a Ucrânia teve acesso, sendo eles somente militares russos. Ou seja, o avião era um alvo legítimo. “Nenhum outro corpo foi detectado”, disse ele à CNN, negando assim que houvesse nove russos no avião, como afirmou Moscou.

Embora não sirva para esclarecer definitivamente o ocorrido, imagens do local da queda divulgadas pela própria mídia estatal russa mostram alguns corpos nos destroços, mas não indicam que ali havia dezenas de cadáveres. O que a CNN conseguiu confirmar foi a localização geográfica do vídeo, compatível com o possível local da queda em Belgorod.

A única informação com a qual os dois governos concordam é a de que haveria realmente uma troca de prisioneiros na quarta-feira. De um lado, a Rússia diz que avisou sobre a presença dos prisioneiros no voo cerca de 15 minutos antes da queda, tempo suficiente para evitar o ataque. A Ucrânia nega ter recebido o alerta e diz que tem sido comum o uso de aviões IL-76 para o transporte de mísseis, que são geralmente carregados nas aeronaves justamente em Belgorod.

A queda do IL-76 foi debatida até no Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), em discurso do ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov. Questionado por jornalistas sobre o ocorrido, ele classificou a queda do avião como “ataque terrorista” da Ucrânia, reforçou a teoria sobre os prisioneiros de guerra sendo transportados e disse que Kiev “deveria ter conhecimento” do fato.

Para fortalecer sua posição junto à opinião pública, a Rússia não se limitou às manifestações oficiais de autoridades governamentais. Também acionou sua equipe de propagandistas na mídia local. “A frenética propaganda russa está dirigindo um fluxo de informações falsas para um público externo, numa tentativa de desacreditar a Ucrânia aos olhos da comunidade mundial”, afirmou Mykola Oleschuk, comandante da Força Aérea ucraniana, segundo a CNN.

Um desses propagandistas é Alexei Leonkov, analista militar que foi ao ar na emissora estatal Rússia-1. Sem apresentar qualquer evidência, ele causou o Ocidente de ligação com a queda do avião. “Acho que o avião que foi abatido. Foi um ato bem planejado e orquestrado que foi preparado pelos britânicos”, disse, de acordo com a revista Newsweek.

A fala de Leonkov foi inclusive reproduzida na rede social X, antigo Twitter, por um jornalista da rede britânica BBC, que ironizou a denúncia. “Hoje está provando mais uma vez que a reputação do Reino Unido é muito maior na Rússia do que em qualquer outro lugar”, disse Francis Scarr na postagem.

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