Usada no envenenamento de Aleksei Navalny, político russo opositor a Vladimir Putin, a substância neurotóxica novichok é velha conhecida da dissidência do regime que ocupa o Kremlin.
Navalny, 44, foi envenenado no último dia 20, quando viajava da cidade siberiana de Omsk para a capital russa, Moscou. Foi transferido para Berlim, na Alemanha, dois dias depois e permaneceu em coma induzido até esta segunda (7).
O político já responde a estímulos verbais, mas ainda não é possível determinar quais serão as sequelas do envenenamento, de acordo com a equipe médica alemã, que falou com a agência de notícias Associated Press.
Bastam poucos miligramas da substância, inodora, para matar um homem adulto. É possível usá-la em bebidas e alimentos ou passá-las em roupas e qualquer tipo de superfície. O nome Novichok inclui uma gama de diversos produtos neurológicos letais.
Alguns tipos de Novichok levam minutos para fazer efeito. Se líquido ou inalado, o envenenamento é mais rápido. A substância bloqueia mensagens dos neurônios para os músculos, paralisando o corpo. O primeiro sintoma é a contração das pupilas dos olhos, seguida por convulsão e vômito.
Além de Navalny, o Novichok foi usado no envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal e sua filha Yulia, em 2018. A tática foi borrifar o produto na porta da casa dos Skripal, em Salisbury, no sul da Inglaterra. O material foi levado em uma garrafa de perfume da marca Nina Ricci.
Nas duas ocasiões, os envenenamentos geraram crises diplomáticas momentâneas à Rússia. Em 2018, com o Reino Unido e agora, com a Alemanha.
Subproduto da Guerra Fria
O veneno foi criado ainda na Guerra Fria, durante o Foliant, programa secreto e experimental para o desenvolvimento de armas químicas entre as décadas de 1970 e 1980. O nome “novichok” significa novato em russo.
Como na corrida espacial, a meta era produzir armas capazes de contrapesar esforços norte-americanos nas chamadas “armas binárias“. O recurso era alternativa às armas químicas tradicionais, usando compostos que, sozinhos, não ofereciam perigo. Eram transportados separadamente e misturados apenas no momento do uso.
À época, cerca de 100 quilos foram fabricados em laboratório. Na década de 1990, a criação do produto foi denunciada na imprensa russa pelo químico Vil Mirzayanov, que fugiu para os EUA logo depois.
É impossível identificar a origem do novichok depois de usado, já que é preciso compará-lo com uma amostra idêntica. Segundo Mirzayanov, o objetivo era de fato minimizar chances de rastreio de ataques no exterior.
Nos anos posteriores à derrocada da União Soviética, na década de 1990, suspeita-se que parte do produto tenha sido repassada por funcionários dos laboratórios responsáveis.
Uma parcela do estoque de armas químicas soviéticas foi destruída em 1999, com auxílio dos EUA. O material estava em uma planta de produção no Uzbequistão, antiga república-satélite de Moscou na Ásia Central.
Sabe-se de outras duas estruturas do governo soviético que trabalharam com o Novichok: uma em Moscou e uma na cidade de Sikhany, no sul do país. Em 2018, o embaixador russo na ONU (Organização das Nações Unidas) afirmou que a produção da arma química foi encerrada em 1992.
Em 2017, a Rússia anunciou que havia destruído 40 mil toneladas de armas químicas, nos termos da Convenção global da Opaq (Organização para a Proibição do Uso de Armas Químicas) que baniu o uso de artefatos do tipo. O Novichok foi incluído apenas no ano seguinte.