Medo é parte da rotina de jornalistas afegãos em meio à violência crescente do Taleban

Temor com os talibãs também atinge cidadãos, que, segundo relatam repórteres, não querem mais conceder entrevistas

A exemplo de foi 2021, o ano de 2022 não tem sido bom para os jornalistas do Afeganistão. Pelo menos quatro profissionais foram presos até agora, em um cenário que se mostra cada vez mais violento e cada vez menos claro no que diz respeito às leis de regulação de mídia estabelecidas pelos talibãs, de acordo com a rede Voice of America (VOA).

Além das detenções, diversos jornalistas foram agredidos. E relatar as violações às autoridades do grupo islâmico, que assumiu o poder em agosto com promessas de moderação, não tem lá surtido muito efeito, já que os jihadistas não têm feito nada para responsabilizar os agressores.

No dia 6 de janeiro, três profissionais da imprensa foram presos enquanto trabalhavam na cobertura de manifestações contra o Taleban na província de Panjshir, onde um insurgente matou um civil. Eles estavam a serviço de um canal no YouTube chamado Kabul Lovers, que tem aproximadamente 244 mil inscritos.

Uma jornalista em Maimana, no Afeganistão, conduz uma entrevista para um programa de rádio sobre agricultura (Foto: Knottleslie/Flickr)

O porta-voz talibã, Zabihullah Mujahid, fez pouco caso da equipe de reportagem, a qual definiu como “os assim chamados jornalistas”, acusando-os de “fabricar histórias” e gerar tumulto.

“Fizeram um alvoroço e gravaram vídeos sem fazer nenhuma investigação sobre o caso”, justificou Mujahid ao falar sobre a prisão dos profissionais pela inteligência da organização extremista, acrescentando que a punição faria com que eles entendessem que a atividade jornalística “pode prejudicar a segurança pública e nacional”.

A falta de leis e instituições estatais está agravando a situação da categoria. Parte do problema é que o Taleban emitiu diretrizes para jornalistas, mas “não há lei de mídia”, explica Hujatullah Mujadadi, vice-presidente da Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão. “Não tenho certeza se existe um plano para algo assim. Pelo menos ainda não o vimos”.

As orientações para a mídia foram divulgadas pelos talibãs em setembro. As diretrizes incluem a proibição de conteúdo contrário ao Islã ou a figuras nacionais e estabelece que a imprensa deve alinhar o teor das reportagens às autoridades. Porém, os profissionais alegam que o Taleban não disse se as leis de mídia criadas pelo governo destituído permanecem em vigor.

Abdul Subhan Misbah, ex-delegado do Sindicato dos Advogados do Afeganistão, também atribui as adversidades à inexistência de instituições estatais.

“Uma comissão não pode lidar com casos criminais. Assassinatos e agressões a jornalistas são casos com os quais a polícia, os advogados e os juízes devem lidar. O Taleban precisa ter instituições governamentais formais”, disse Misbah.

Medo que cala

Um dos jornalistas que sentiu na pele a repressão talibã contra a categoria é Sadaqat Ghorzang, um repórter freelancer que atua no canal de TV afegão Tolo News. Ele foi agredido em outubro e, desde então, aguarda uma investigação das autoridades sobre seu caso.

Ele estava trabalhando em uma reportagem na cidade de Torkham, sobre a tentativa de fuga de afegãos que se arriscam a cruzar a fronteira com o Paquistão, quando foi surpreendido por combatentes que usaram de violência e jogaram seu equipamento em um rio.

“Logo após o incidente, o Taleban se desculpou. Mas, quando saí, outros combatentes começaram a me ameaçar”, relatou Ghorzang. Segundo ele, o grupo fundamentalista prometeu investigar o caso, “mas não deu em nada”.

Outro jornalista, Zaki Qais, que tem no currículo 15 anos de experiência na imprensa local e internacional, relata que repórteres são parados e questionados nos postos de controle e, em meio a essa atmosfera de sufocamento profissional, tem sido cada vez mais difícil encontrar pessoas dispostas a falar.

“Há medo em todos os lugares. Todo mundo tem medo. As pessoas comuns não querem falar conosco”, relatou o jornalista.

Repúdio

Em comunicado, a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ, da sigla em inglês) condenou a opressão do regime talibã aos profissionais da imprensa e pediu aos fundamentalistas para que sejam libertados todos os repórteres presos, além de garantir justiça aos que foram agredidos ou ameaçados.

“A tendência perturbadora de prisões e ataques contra jornalistas e trabalhadores da mídia no Afeganistão continua a crescer sob o regime talibã”, disse a nota da IFJ, acrescentando: “O Taleban deve cessar seu assédio à mídia e mostrar um compromisso tangível de salvaguardar a liberdade de imprensa.”

Por que isso importa?

O jornalismo afegão tem sido sufocado pelo Taleban. Em dezembro de 2021, uma pesquisa conduzida em parceria pela ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e pela Associação de Jornalistas Independentes do Afeganistão (AIJA) apontou que 231 veículos de imprensa foram fechados e mais de 6,4 mil jornalistas perderam o emprego no Afeganistão desde o dia 15 de agosto, quando o Taleban assumiu o poder no país.

Os dados apontam que mais de quatro em cada dez veículos de comunicação desapareceram nesse período, e 60% dos jornalistas e funcionários da mídia estão impossibilitados de trabalhar. As mulheres sofreram muito mais: 84% delas perderam o emprego, contra 52% no caso dos homens. Entre as 34 províncias do país, em 15 delas não há sequer uma mulher jornalista trabalhando atualmente.

Dos 543 meios de comunicação registrados no Afeganistão antes da ascensão talibã, apenas 312 ainda operavam no final de novembro. Isso significa que 43% dos meios de comunicação afegãos desapareceram em um espaço de três meses. Das 10.790 pessoas que trabalhavam na mídia afegã (8.290 homens e 2.490 mulheres) no início de agosto, apenas 4.360 (3.950 homens e 410 mulheres) ainda estavam trabalhando quando a pesquisa foi realizada.

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