A possibilidade de o governo brasileiro aderir à Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative) ganhou força nos últimos meses, e um acordo pode ser anunciado durante a reunião do G20 que acontece no Rio de Janeiro em novembro. A perspectiva de adesão levou a uma troca de farpas entre a China e o os EUA, cada qual tentando influenciar o Brasil para que tome uma decisão de seu interesse.
Na semana passada, em São Paulo, a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, esteve em São Paulo e tocou no assunto. Segundo a rede Bloomberg, que promoveu o evento no qual ela marou presença, a autoridade norte-americana disse “incentivar nossos amigos no Brasil a olhar para os riscos na economia atual” através de “uma lente de objetividade, através de uma lente de gestão de risco” e a “realmente pensar sobre qual é o melhor caminho a seguir para mais resiliência na economia brasileira”.
A fala incomodou Beijing, que a classificou como “irresponsável” e desrespeitosa”, de acordo com o jornal South China Morning Post. “Como a China, como maior parceira comercial do Brasil, maior mercado de exportação e principal fonte de superávit, pode representar um risco e não uma oportunidade? Essa visão contradiz os fatos e a lógica básica”, disse a embaixada chinesa em Brasília, acrescentando que o país não precisa de “outros para ditar com quem cooperar ou que tipo de parcerias conduzir”.

O ministro da Agricultura Carlos Favaro também refutou o argumento norte-americano. “Precisamos ter um ótimo relacionamento com os Estados Unidos e a União Europeia, mas também algumas medidas protecionistas devem ser combatidas com uma expansão de parceiros comerciais”, disse ele.
As negociações entre Brasil e China avançaram nos últimos meses e se aproximaram de um acordo para adesão do país à BRI. Existe a expectativa de que o anúncio do ingresso brasileiro seja formalizado quando o presidente chinês Xi Jinping estiver no Rio de Janeiro entre 18 e 19 de novembro.
Entretanto, em entrevista recente à reportagem de A Referência, dois especialistas alertaram para o desequilíbrio comum nas relações entre Beijing e seus parceiros e sentenciaram: a BRI carrega um risco político elevado e não é o melhor caminho para se fazer bons negócios com o gigante asiático.
“A BRI é uma proposta atraente em teoria. A China fornece dinheiro sem amarras e pode construir infraestrutura rapidamente”, diz Elaine Dezenski, diretora sênior do Centro de Poder Econômico e Financeiro do think tank Fundação para a Defesa das Democracias. Com mais de duas décadas de liderança em organizações públicas, privadas e internacionais, ela é especialista em risco geopolítico, segurança da cadeia de suprimentos, anticorrupção e segurança nacional.
Por sua vez, Giorgio Prodi, professor associado em economia aplicada na Universidade de Ferrara e diretor de relações Ásia e Pacífico na Escola de Negócios de Bolonha, ambas na Itália, citou o caso italiano como exemplo a ser observado. A Itália aderiu em 2019, tornando-se a maior economia e o único país do G7 a assinar a iniciativa, envolvimento que emprestou prestígio diplomático ao acordo. No entanto, desde então, as importações italianas provenientes da China quase dobraram, enquanto as exportações do país europeu para o asiático tiveram um aumento pouco expressivo.
“A experiência europeia mostra que não é necessário aderir à BRI para ter relações econômicas com a China”, afirmou Prodi, ressaltando o risco de a indústria nacional ser impactada negativamente. “Claro que também depende do conteúdo do acordo. Por exemplo, eu seria muito cuidadoso ao avaliar o impacto que um acordo muito ‘aberto’ poderia ter no setor manufatureiro brasileiro.”
A avaliação dos analistas é semelhante à feita m maio pela general Laura Richardson, que esteve no Brasil em maio para exercícios militares conjuntos entre as Marinhas dos dois países. “O que aprendemos é que a BRI parece muito boa na parte inicial, mas há muitas letras miúdas. E é preciso ler essas letras miúdas para ver todas as condições e como a soberania é retirada ao longo do tempo se os empréstimos não forem pagos, e coisas desse tipo”, afirmou a autoridade militar ao jornal Valor Econômico.