Governo da Itália reforça a pretensão de deixar a Nova Rota da Seda

Giorgia Meloni prega boas relações com Beijing, mas fora do projeto do presidente Xi Jinping que financia obras no exterior

A Itália parece cada vez mais propensa a se retirar da Nova Rota da Seda (BRI, na sigla em inglês, de Belt And Road Initiative), iniciativa lançada pelo presidente Xi Jinping para financiar obras de infraestrutura no exterior. Entretanto, a primeira-ministra Giorgia Meloni vem atuando para tornar a ruptura o menos traumática possível, e no domingo (28) pregou a manutenção das boas relações com a China mesmo que venha a sair do programa. As informações são do site Politico.

“A Itália é o único membro do G7 que assinou o memorando de adesão à Nova Rota da Seda, mas não é o país europeu ou ocidental com as relações econômicas e fluxos comerciais mais fortes com a China”, disse a líder italiana em entrevista ao jornal local Il Messagero.

Dados da Comissão Europeia ratificam as declarações da italiana. Alemanha, França e Holanda, por exemplo, mantêm laços comerciais mais fortes com a China. Entretanto, a adesão ao programa serviu para a Itália reduzir seu déficit comercial com Beijing. As exportações saltaram 51% entre 2019 e 2022, enquanto as importações aumentaram somente 26%.

Meloni, no entanto, acredita que conseguiria deixar a BRI sem comprometer esses números. “É possível ter boas relações com Beijing, também em domínios importantes, sem que necessariamente façam parte de um plano estratégico global”, disse ela.

O acordo entre China e Itália para a BRI tem uma cláusula de renovação automática prevista para ser ativada em 2024, desde que nenhum dos dois países se retire da iniciativa respeitando um aviso prévio de três meses.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, durante encontro o presidente chinês Xi Jinping em Bali, no ano passado (Foto: Minister of Foreign Affairs of the People’s Republic of China/Divulgação)
Armadilha da dívida

Principal expoente da política externa de Xi, a BRI usa bancos e empresas da China para financiar e construir rodovias, usinas de energia, portos, ferrovias, redes 5G e outros projetos em todo o mundo. Assim, serve para espalhar a influência de Beijing.

No início, os governos receberam muito bem o dinheiro, especialmente pelo fato de isso ter ocorrido logo após uma recessão global histórica. Hoje, com muitas das nações inseridas na BRI em situação financeira dramática, manter em dia o pagamento das dívidas é missão quase impossível.

A inadimplência sempre foi parte da estratégia da China, que a usa como justificativa legal para assumir a gestão de certos projetos que financiou. Assim, estende os tentáculos do Partido Comunista Chinês (PCC) ao assumir o controle de infraestruturas cruciais. Porém, Beijing investe cada vez menos em tal estratégia, pois a inadimplência virou uma bola de neve que os credores temem não poder suportar.

“Francamente, acho que isso é apenas o começo. Os bancos chineses têm interesse em garantir que seus maiores tomadores de empréstimos no exterior tenham liquidez suficiente para continuar pagando suas dívidas de projetos de infraestrutura”, disse Brad Parks, diretor executivo do think tank AidData, da Universidade William and Mary, nos EUA.

Parks, um dos analistas que calculam o total investido pela China na BRI em mais de US$ 1 trilhão, diz que o cenário não deve mudar tão cedo. “Beijing provavelmente estará no negócio de empréstimos de resgate enquanto seus maiores tomadores de empréstimos estiverem em dificuldades financeiras”, afirmou.

E, apesar da reputação cada vez pior da BRI, tamanho o endividamento dos países beneficiados pelo dinheiro chinês, e dos desafios crescentes para os credores, especialistas dizem que a iniciativa não será interrompida.

“Muitos países ainda aceitam investimentos da China sob a estrutura do BRI, e não vejo isso mudando”, disse Francesca Ghiretti, analista do think tank alemão Merics, com sede em Berlim.

Para manter a iniciativa firme, Xi aposta na realização da terceira edição do Belt and Road Forum, que foi realizado antes em 2017 e 2019 e depois sofreu uma interrupção devido à pandemia de Covid-19. O evento, que tende a acontecer neste ano reunindo os cerca de 150 países englobados, servirá para mostrar que a BRI ainda respira.

Entretanto, o presidente chinês deu a entender que o foco será mais regional daqui em diante. Uma tendência justificada pela atual competição com os EUA por influência na Ásia-Pacífico.

“No próximo ano, a China considerará sediar o 3º Fórum da Nova Rota da Seda para Cooperação Internacional, injetando novo ímpeto no desenvolvimento e prosperidade da Ásia-Pacífico e do mundo”, disse Xi em novembro de 2022. “Nas últimas décadas, a cooperação econômica na Ásia-Pacífico se desenvolveu vigorosamente e criou o ‘Milagre Ásia-Pacífico’, que atraiu a atenção mundial”, acrescentou ele, sugerindo que seus vizinhos tendem a ser, a partir de agora, os principais parceiros da China em seu principal projeto de política externa.

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