A proposta de construir uma usina nuclear de 1.000 megawatts no Quênia ganhou um novo capítulo. Após forte resistência de comunidades costeiras, o governo estuda transferir o projeto da vila pesqueira de Uyombo, no condado de Kilifi, para a região de Luanda Kotieno, às margens do Lago Vitória, o maior lago de água doce da África. As informações são do Monga Bay.
A decisão, ainda em estudo, é parte do plano nacional de energia nuclear, avaliado em US$ 3,8 bilhões, que prevê conectar a usina à rede elétrica nacional até 2034. A iniciativa é liderada pela Agência de Energia Nuclear do Quênia (NuPEA), que conduz estudos de viabilidade, consultas públicas e Avaliações de Impacto Ambiental e Social (AIAS).

Rejeição na costa e nova aposta no interior
As consultas iniciais concentraram-se em Uyombo, na costa sudeste, onde a proposta foi duramente criticada por moradores e ambientalistas. A resistência incluiu protestos, confrontos com a polícia e prisões.
Em resposta, o Ministério de Energia anunciou, em junho, a possibilidade de deslocar o projeto para Luanda Kotieno, no condado de Siaya, no extremo oposto do país.
Durante um evento na Universidade Jaramogi Oginga Odinga (JOOUST), o deputado Paul Otiende Amollo afirmou que sua comunidade aceitou o projeto:
“Em Kilifi, houve rejeição. Aqui, temos diálogo e aceitação”.
O ex-primeiro-ministro Raila Odinga, natural da região, também expressou apoio. Segundo ele, “na era das mudanças climáticas, a energia nuclear é uma fonte limpa e necessária para o futuro do Quênia”.
Dilema queniano
O Quênia é considerado líder continental em energia renovável, com cerca de 90% da matriz energética proveniente de fontes limpas, como geotérmica, hidrelétrica, eólica e solar. O país abriga ainda o maior parque eólico da África, o Projeto Eólico do Lago Turkana, com capacidade de 307 MW.
Apesar disso, a NuPEA e o governo defendem a diversificação das fontes de energia para sustentar o crescimento econômico. “Manter um ambiente limpo e garantir energia acessível é fundamental para gerar empregos e atrair investimentos”, declarou Odinga.
Entretanto, especialistas alertam para riscos e custos elevados. Segundo Hartmut Winkler, professor da Universidade de Joanesburgo, “projetos nucleares são extremamente caros, levam de 10 a 20 anos e frequentemente ultrapassam o orçamento”.
Outro desafio é o destino dos resíduos radioativos, tema que o relatório preliminar da Avaliação Ambiental e Social Estratégica (SESA) aborda apenas de forma genérica. A Comissão Holandesa de Avaliação Ambiental (NCEA) criticou o documento, afirmando que ele “não atende aos padrões da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)”.
Comunidades divididas
Enquanto líderes locais de Siaya demonstram entusiasmo, ambientalistas e pescadores do Lago Vitória expressam preocupação. O lago, que produz mais de 800 mil toneladas de peixes por ano, é vital para a economia e para a segurança alimentar da região.
“Qualquer vazamento ou erro de manejo pode devastar ecossistemas inteiros”, alerta Elisha Bombosho Mzee, pescador há 25 anos. O WWF destaca que o Lago Vitória abriga uma das maiores biodiversidades de peixes de água doce do planeta, já ameaçada por espécies invasoras e poluição.
Em Uyombo, o sentimento é de desconfiança. “Eles chegaram e disseram: ‘É aqui que vamos construir’. Não explicaram nada”, relata Sanita Kitole, integrante do Centro para a Justiça, Governança e Ação Ambiental (CJGEA). “Quem questionou foi preso. Até hoje, temos medo”.
Próximos passos
A NuPEA afirma que nenhuma decisão final foi tomada. Novas consultas ocorreram em setembro e os estudos técnicos continuam. O governo queniano pretende finalizar o relatório da SESA antes de definir o local definitivo da usina.
Enquanto isso, cresce o debate entre energia limpa e segurança ambiental, com o Lago Vitória no centro de uma escolha que pode transformar o futuro energético do Quênia, e redefinir sua relação com o meio ambiente.