As pequenas democracias na África têm valor geoestratégico

Bem posicionadas no mapa mundi e carentes de recursos, nações insulares se beneficiam de compor com potências

Os pequenos Estados insulares africanos, como Cabo Verde, Seychelles, São Tomé e Príncipe e Maurício, são democracias com papel geoestratégico que não deve ser subestimado.

O argumento é do diretor para a África do think tank CSIS (Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos), Judd Devermont, , em pensata publicada no último dia 24. Um exemplo recente seria de junho deste ano.

Em 13 de junho, Alex Saab, presumido “testa-de-ferro” do presidente venezuelano Nicolás Maduro, viajava para Teerã, no Irã. Em uma escala no aeroporto de Espargos, em Cabo Verde, foi preso pelas autoridades locais.

As pequenas democracias na África têm valor geoestratégico
Reprodução do passaporte de Alex Saab, suposto testa de ferro de Maduro, preso em Cabo Verde com mandado da Interpol (Foto: Reprodução/El Espectador)

Havia um mandado de prisão da Interpol contra Saab, de origem colombiana. Na sequência, as autoridades cabo-verdianas concederam autorização para a extradição do operador financeiro de Maduro aos EUA, onde era procurado.

Liberdade e estratégia

Essas pequenas nações são polos de liberdade e democracias, ainda que falhas, no continente africano. Por isso, argumenta Devermont, merecem atenção das grandes potências democráticas e liberais como aliadas de seus valores.

Para a ONG Freedom House, que mapeia a qualidade da democracia em países de todo o mundo, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Maurício são três de apenas sete países considerados livres na África.

No caso cabo-verdiano, por exemplo, a iniciativa de entregar o colombiano aos EUA seria respaldada pelo interesse do país em consolidar uma imagem de respeito a fundamentos básicos do Estado de Direito.

No caso de Saab, a aeronave venezuelana havia parado para reabastecimento em território de Cabo Verde, próximo à costa africana. Entre seus parceiros estão EUA, Reino Unido, Otan (Organização para o Tratado do Atlântico Norte) e UE (União Europeia).

Já Maurício e Seychelles ficam no Oceano Índico e com frequência são cortejadas por China e Índia para projetos de logística, informação e combate a operações piratas.

São Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné, recebeu propostas de EUA e China para financiamento, infraestrutura como portos e aeroportos e cooperação militar. A região, na África Ocidental, é rica em petróleo.

As pequenas democracias na África têm valor geoestratégico
Vista aérea de Praia, capital de Cabo Verde, em imagem de 2007 (Foto: David Trainer/Wikimedia Commons)

Todas essas nações insulares têm em comum a localização estratégica, que funciona como porta de entrada para os continentes da África e da Ásia.

Questões locais

Há desafios para lidar com esses países. São nações de recursos limitados, e por isso relativamente fáceis de persuadir com a dose certa de financiamento ou de auxílio de grandes potências.

Maurício, por exemplo, é um paraíso fiscal que foi denunciado por uma série de reportagens do ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos). O país tinha 46 acordos bilaterais que permitiam a grandes multinacionais pagar impostos próximos de zero se estabelecessem sede ali.

Já Seychelles, considerada “parcialmente livre” pela Freedom House, foi sancionada por suas relações com o Irã. O país também foi mencionado em investigações dos EUA por receber empresas de segurança ligadas ao presidente russo Vladimir Putin.

Cabo Verde, por sua vez, foi alvo de campanhas de desinformação por ter colaborado com a Interpol. O imbróglio judicial com os advogados de Saab, após a captura do colombiano, também tem consumido tempo e recursos já escassos das autoridades locais.

Para Devermont, é o momento de os EUA reavaliarem a política antiga de escolher grandes Estados africanos para que sirvam de “âncoras” para seus interesses.

Entre as recomendações está aumentar a liberdade de altos diplomatas nessas democracias africanas pode ajudar a fomentar soluções em prol de relações mais próximas e adaptadas às realidades locais.

Também é fundamental estar presente no dia a dia, seja com empréstimos –pequenos, no total, mas importantes para essas nações – ou oferecendo acesso aos tomadores de decisão da política externa das grandes potências não apenas quando se precisa desses países.

O autor usa a metáfora do ex-secretário de Estado George Shultz, de que é preciso fazer a “jardinagem” das relações, neste caso com essas pequenas democracias, cultivando-as com calma e constância.

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