Relatos de manipulação de dados referentes às causas de morte de jovens manifestantes emergem no Quênia, com autópsias revelando pessoas baleadas, enquanto registros oficiais apontam para acidentes de trânsito e outras causas não violentas. As informações constam de uma reportagem exclusiva da agência Reuters, que revisou três meses de documentos no maior necrotério do país africano.
Durante os protestos antigovernamentais em Kitengela, a morte de Charles Owino, de 19 anos, foi registrada como um acidente de trânsito, contradizendo a autópsia que indicava um tiro fatal na cabeça. O irmão dele descobriu a discrepância ao acessar o livro de registros do necrotério. O caso é similar ao de Shaquille Obienge, também manifestante, cuja autópsia mostrou uma ferida por tiro no pescoço.
Um policial, sob condição de anonimato, confessou à Reuters que há uma prática recorrente de registrar mortes causadas por ações policiais como acidentes no livro do necrotério, uma estratégia para encobrir as reais circunstâncias.
As revelações colocam em questão a transparência das autoridades durante os protestos que ocorreram em junho e julho, inicialmente motivados por aumentos de impostos e acusações de corrupção política. O vice-presidente Kithure Kindiki reconheceu que 42 pessoas morreram devido à resposta policial, mas organizações de direitos humanos suspeitam que o número de vítimas seja maior.
O relatório da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia revelou um aumento alarmante no número de desaparecimentos forçados e detenções ilegais desde o início dos protestos. Em dezembro, a comissão registrou 82 casos, comparado a apenas nove nos 18 meses anteriores.
Em meio à indignação pública e críticas internacionais, o governo queniano e a polícia ainda não responderam às alegações de manipulação dos registros de morte. Os protestos, conhecidos como manifestações da Geração Z, devido ao perfil jovem dos participantes, destacaram a urgência da luta dos jovens por justiça e reformas sociais.
Familiares das vítimas, como o irmão de Owino e o pai de Obienge, têm buscado justiça, enfrentando um sistema que, muitas vezes, omite e distorce informações vitais. As discrepâncias entre os registros policiais e os relatórios médicos desafiam a credibilidade das instituições encarregadas de proteger e servir a população.
A falta de respostas concretas do presidente William Ruto, do vice-presidente e do Ministério do Interior somente aumenta a desconfiança da população em relação à transparência e à integridade do governo, conforme as famílias continuam à espera de que a atenção global possa trazer mudanças significativas.
“A fraqueza, insegurança e desespero de Ruto o tornam perigoso. É essa fragilidade que o leva a atacar jovens cujo único ‘crime’ é exigir as melhorias que lhes foram prometidas”, disse recentemente o jornalista Patrick Gathara, em artigo publicado pela rede Al Jazeera. “É isso que o torna uma ameaça à ordem constitucional do país — um perigo que todos os quenianos devem reconhecer e combater.”