Estado Islâmico diz ter matado mais de 70 soldados de Burkina Faso em emboscada

Grupo extremista alega ainda que dezenas de militares ficaram feridos, cinco foram feitos reféns e cerca de 50 armas foram roubadas

Mais de 70 soldados do exército de Burkina Faso teriam sido mortos em uma emboscada reivindicada na última sexta-feira (24) pelo Estado Islâmico (EI). De acordo com o grupo extremista, dezenas de militares ficaram feridos e cinco foram feitos reféns. A informação divulgada pelos insurgentes, que carece de verificação independente, foi reproduzida pela agência Associated Press (AP).

O EI usou sua agência de notícias, a Amaq, para anunciar o resultado da violenta ação contra as forças armadas burquinenses. O alvo teria sido um comboio que tentava invadir uma área controlada pelos jihadistas na província de Oudalan, no Sahel. Segundo os radicais, armas usadas pelos soldados teriam sido apreendidas.

A fim de provar suas alegações, o grupo extremista divulgou fotos que mostram o que seriam 54 corpos de soldados mortos, todos vestindo uniformes militares. As imagens exibem também aproximadamente 50 armas usadas pelas forças armadas, bem como os cinco alegados prisioneiros.

Um soldado que estava presente no violento episódio diz que as tropas do governo estavam em menor número, tendo sido atacadas por cerca de 300 agressores. “Perdemos muitos homens”, disse ele, sem citar números nem relevar a própria identidade, pois não tinha autorização para comentar o ocorrido.

Na semana passada, o governo havia anunciado as mortes 51 soldados na emboscada, e os números não foram atualizados posteriormente. Antes disso, civis haviam afirmado que dezenas de militares morreram em outro ataque dos radicais, na cidade de Tin-Akoff. As forças armadas não comentaram este incidente.

Em meio à crescente onda de violência no país africano, a junta militar que governa Burkina Faso desde o golpe de Estado de setembro de 2022 iniciará nesta terça-feira (28) um processo de recrutamento para adicionar cinco mil novos soldados às forças armadas.

“Há um fluxo persistente de ataques de militantes no norte do país, e o público sem dúvida está percebendo a incapacidade de seu governo em fornecer segurança”, disse Laith Alkhouri, CEO da Intelonyx Intelligence Advisory, empresa que fornece análise de inteligência. “Qualquer novo ataque deste tamanho pode ameaçar a cena pública e até ameaçar derrubar a junta”.

Soldado do exército de Burkina Faso em treinamento, fevereiro de 2019 (Foto: nara.getarchive.net)
Aumento da violência

Um levantamento feito pela agência de notícias France-Presse (AFP) aponta que ao menos 77 pessoas foram mortas somente no mês de janeiro deste ano em ações protagonizadas por insurgentes ligados à Al-Qaeda e ao EI.

O aumento da violência ocorre no momento em que o governo da França resolveu acatar um pedido do governo central e retirar suas tropas de Burkina Faso. Paris mantinha entre 200 e 400 membros de suas forças especiais no país africano, parte da Operação Barkhane de combate ao extremismo no Sahel.

Sem a França para dar suporte às tropas locais, tende a aumentar a influência da Rússia na nação africana, com a possibilidade de que a organização paramilitar privada Wagner Group assuma o papel de maior parceiro no combate ao terrorismo. Movimentação idêntica ocorreu no vizinho Mali, de onde os militares franceses foram expulsos para dar lugar aos mercenários russos.

Embora Uagadugu insista em negar qualquer acordo com os russos, membros do Wagner Group já foram vistos no país. Inclusive, o governo de Gana chegou a dizer que uma mina seria usada como pagamento aos mercenários em Burkina Faso.

Por que isso importa?

Burkina Faso convive desde 2015 com a violência de facções da Al-Qaeda e do EI, insurgência que levou a um conflito com as forças de segurança e matou milhares de pessoas. Grupos armados lançam ataques ao exército e a civis, desafiando também a presença de tropas estrangeiras.

Os ataques costumavam se concentrar no norte e no leste, mas agora estão se alastrando por todo o país, com cerca de 40% do território nacional fora do controle do governo central. Burkina Faso superou o Mali e o Níger como epicentro da violência jihadista na região.

pior ataque extremista já registrado em Burkina Faso ocorreu em 5 de junho de 2021, quando insurgentes incendiaram casas e atiraram em civis ao invadirem a vila de Solhan, no norte. Na ocasião, 160 pessoas morreram.

Após um período de relativa calmaria, a violência aumentou nos últimos meses, após a tomada do poder no país por uma junta militar em janeiro de 2022. Oficiais descontentes derrubaram o presidente eleito Roch Marc Christian Kabore, que vinha enfrentando protestos pela forma como lidou com a sangrenta insurgência jihadista. Mais tarde, em setembro, um segundo golpe levou a nova mudança no poder, com Traoré assumindo o governo central. A instabilidade só faz crescer o problema da insurgência.

Para especialistas, os extremistas decidiram aproveitar a divisão pública no país. “Os novos ataques sinalizam uma onda crescente de militância no norte de Burkina Faso e levantam preocupações sobre o alcance crescente de grupos terroristas que, sem dúvida, estão dificultando ainda mais o trabalho da junta de proteger o país”, disse Laith Alkhouri, CEO da Intelonyx Intelligence Advisory, uma empresa que realiza análises no setor de inteligência.

Os ataques de grupos extremistas geraram uma crise humanitária que forçou mais de dois milhões de pessoas a fugirem de suas casas, com cerca de duas mil mortes ligadas ao conflito. Estima-se que quase cinco milhões de pessoas sofram de insegurança alimentar, com quase três milhões em situação de insegurança alimentar aguda no país.

No Brasil

Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.

Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.

Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.

Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.

Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.

“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.

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