As autoridades policiais do Quênia receberam ordens para não divulgarem informações sobre mortes ocorridas durante a dura resposta aos recentes protestos contra aumentos de impostos, que coincidiram com o aumento do custo de vida. Os atos deixaram dezenas de mortos e feridos no país africano. As informações são da agência Associated Press (AP).
Nessa atmosfera de caos social, um órgão independente de vigilância revelou que, somente nesta semana, a polícia foi responsável pela morte de pelo menos seis pessoas. Considerando as semanas anteriores, esse número subiu para 27. A fonte que emitiu essa ordem incomum não foi esclarecida.
Segundo um oficial da polícia que falou sob condição de anonimato, a ordem para omitir as baixas foi dada nesta semana, em meio a três dias de manifestações convocadas pela oposição política e programadas para continuar até esta sexta-feira (21).
A polícia no Quênia enfrenta acusações de uso excessivo de força feitas por grupos de direitos humanos e crescem as preocupações sobre suas táticas sob o governo do presidente William Ruto, eleito no ano passado. A situação tornou-se ainda mais alarmante quando um policial foi flagrado se passando por jornalista durante o último protesto, na quarta-feira (19), em ação considerada “perigosa” pelo Conselho de Mídia do Quênia.
Peter Kiama, diretor do watchdog Unidade Médico-Legal Independente, um órgão independente que investiga e documenta mortes violentas, suspeitas ou não esclarecidas, afirmou que a polícia está recebendo ordens de fora do comando policial e agindo em benefício do presidente.
“Uma coisa que nos preocupa muito é a crescente interferência com a polícia, com a polícia recebendo ordens de fora do comando da polícia e começando a agir no interesse do Poder Executivo e não no interesse público”, disse Kiama.
Segundo dados da organização de Kiama, 27 pessoas foram mortas a tiros pela polícia em três manifestações convocadas pela oposição neste ano.
Além disso, o órgão de vigilância confirmou que na quarta-feira (19) houve seis mortes por tiros pela polícia, quatro delas na capital, Nairóbi. A equipe está buscando confirmar mais quatro mortes em diferentes partes do país.
Para Kiama, é “evidente” que a polícia está negligenciando completamente o interesse público, o que é uma “situação perigosa”. Ele também ressaltou que a atuação policial, incluindo o uso de policiais à paisana, sequestrando pessoas sem identificação, tem sido um problema desde os anos 90 e está se intensificando nas últimas semanas.
Governo agradece polícia
Na quinta-feira, o presidente do Quênia agradeceu à polícia por “manter a paz”. Já o ministro do Interior, Kithure Kindiki, elogiou a atuação das forças policiais, enfatizando o “profissionalismo” em conter o “hooliganismo” popular durante os protestos.
Mais de 300 pessoas foram presas durante os protestos de quarta-feira e enfrentam acusações de saques, destruição de propriedade e agressão à polícia, segundo o Ministério do Interior. Contudo, a pasta não se pronunciou sobre as vítimas fatais ou feridos. As perguntas a respeito foram encaminhadas à polícia, que alegou independência operacional, enquanto a porta-voz não respondeu às ligações.
Em uma reunião com diplomatas, o ministro das Relações Exteriores atribuiu amplamente a agitação no país aos manifestantes da oposição, mencionando ataques a civis inocentes, saques de propriedades privadas, ferimentos em policiais responsáveis pela lei e ordem, e, “lamentavelmente, várias perdas de vidas de quenianos”.