Violência sai do controle no Sudão e atinge inclusive a diplomacia norte-americana

Comboio diplomático dos EUA foi alvejado durante uma troca de tiros e levou Washington a mediar um cessar-fogo de 24 horas

A violência que explodiu no Sudão nos últimos dias, fruto de um confronto entre forças armadas e paramilitares ligados à violenta milícia Janjawi, respingou nos Estados Unidos. Um comboio diplomático norte-americano foi alvejado na troca de tiros, o que levou o Departamento de Estado a negociar um cessar-fogo de 24 horas entre as duas partes. As informações são da rede Deutsche Welle (DW).

“Posso confirmar que ontem tivemos um comboio diplomático americano que foi alvejado. Todo o nosso povo está seguro e ileso. Mas esta ação foi imprudente, irresponsável e, claro, insegura”, disse ele a repórteres no Japão, em meio a um encontro de representantes dos países do G7.

O cessar-fogo na capital Cartum está agendado para começar nesta terça-feira às 18h pelo horário local (13h de Brasília). Terá a duração de 24 horas, não mais que isso, com autorização para que civis e feridos deixem a cidade.

Protestos em Cartum, no Sudão, em janeiro de 2022 (Foto: Salah Naser/ONU News)

O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken negociou a interrupção das hostilidades por telefone, em ligações feitas aos generais rivais que lideram as duas partes envolvidas. De um lado Abdel Fattah al-Burhan, chefe das forças armadas, e Mohamed “Hemedti” Hamdan Daglo, à frente das Forças de Apoio Rápido (RSF, da sigla em inglês). 

Segundo Blinken, que divulgou um comunicado sobre as conversas, o acordo também permitirá “a entrega de assistência humanitária aos atingidos pelos combates, a reunificação das famílias sudanesas e permitirá que a comunidade internacional em Cartum garanta a segurança de sua presença”.

Hemedti usou sua conta no Twitter para confirmar o acordo. “Após uma conversa com o Secretário de Estado dos EUA @SecBlinken e a divulgação de outras nações amigas que também pedem um cessar-fogo temporário, as RSF reafirmam sua aprovação de um armistício de 24 horas para garantir a passagem segura de civis e a evacuação dos feridos”, disse ele.

O líder das RSF afirmou ainda que sua luta é “contra o extremismo que prejudica nosso progresso em direção a uma sociedade justa e democrática” e prometeu “proteger nosso povo e defender nossos valores”. O rival al-Burhane, por sua vez, não se pronunciou publicamente sobre o ocorrido nem sobre o cessar-fogo.

Blinken afirmou que foram combatentes ligados a Hemedti que atacaram a comitiva norte-americana, de acordo com a agência Reuters.

Em outro comunicado, o chefe da diplomacia dos EUA disse que “o único caminho a seguir é retomar negociações que apoiem as aspirações democráticas do povo sudanês”. E citou o contato com “cidadãos americanos que possam estar na região para tratar de medidas de segurança e outras precauções”.

O conflito

Combates violentos eclodiram no sábado (15) em Cartum, tendo de um lado o exército e do outro as RSF. O saldo da disputa pelo poder até o momento é de pelo menos 185 mortos e mais de 1,8 mil feridos, segundo dados divulgados pelo enviado da ONU (Organização das Nações Unidas), Volker Perthes, e reproduzidos pela agência Associated Press (AP).

Entretanto, o número de baixas tende a ser muito maior, pois há corpos nas ruas de Cartum que não podem ser retirados devido à troca de tiros. Assim, tais vítimas seguem fora da contagem oficial. Os dois lados envolvidos na disputa pelo poder não divulgam números oficiais. Na segunda-feira (17), o Comitê Central de Médicos Sudaneses, uma organização independente, falou em 97 mortos.

Perthes disse que entre as vítimas fatais estão três membros do Programa Mundial de Alimentos (PMA). Por conta disso, a agência da ONU anunciou que suspendeu as suas atividades no país. O secretário-geral António Guterres também se pronunciou, pedindo que a responsabilidade seja apurada, com os autores dos crimes julgados.

A disputa entre os dois generais decorre de divergências sobre como cem mil soldados da milícia paramilitar devem ser integrados ao exército e quem deve supervisionar esse processo. 

O conflito atual se segue a anos de tensão no Sudão. Desde 2003 vêm sendo registrados confrontos entre exército e milícias aliadas ao ex-presidente Omar al-Bashir, que já mataram cerca de 300 mil pessoas. Além disso, forçaram o deslocamento de milhões, segundo a ONU. Al-Bashir foi deposto em abril de 2019, após uma série de disputas iniciadas ainda em 2018.

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