Ameaças de destruição e juras de amor: a relação entre Donald Trump e Kim Jong-un

Em seu primeiro mandato, norte-americano prometeu ‘fúria e fogo’ contra Pyongyang, foi chamado de 'caduco' e no fim se disse 'apaixonado' pelo rival

Durante seu primeiro mandato na presidência dos EUA, entre 2017 e 2021, Donald Trump trocou ameaças e afagos com o líder da Coreia do Norte Kim Jong-un. No início do governo, prometeu “destruir totalmente” o país comunista, para um ano depois dizer que se “apaixonaram” após uma troca de cartas. A relação entre ambos é, desde já, uma das incógnitas com vistas ao retorno do norte-americano ao poder em janeiro de 2025, com a esperança de que sejam retomados os diálogos para desnuclearização da Península Coreana. O cenário atual, entretanto, é mais tenso que o de oito anos atrás, com Pyongyang ostentando um arsenal nuclear ampliado e mergulhada em uma aliança com Moscou que tira o sono do Ocidente.

A relação entre Trump e Kim foi uma montanha-russa, e em determinado momento criou a expectativa de que o líder norte-coreano seria convencido pelo homólogo a abrir mão de seu arsenal de destruição em massa, ou ao menos a reduzi-lo. No início do mandato, no entanto, eles trocaram ofensas e ameaças, e o norte-americano ameaçou destruir a Coreia do Norte após esta sugerir um ataque contra a ilha de Guam, no Pacífico Ocidental, onde os EUA mantém instalações militares.

O presidente norte-americano, então, enviou uma mensagem dura a Kim, em 8 de agosto de 2017. “Ele tem sido muito ameaçador, além de um estado normal. E, como eu disse, eles serão recebidos com fogo e fúria e, francamente, com um poder como este mundo nunca viu antes”, declarou, segundo o jornal The New York Times.

Kim respondeu com ofensas e ameaças do mesmo grau em 22 de setembro. “A ação é a melhor opção para tratar o caduco que, com problemas de audição, está dizendo apenas o que quer dizer”, declarou o norte-coreano em um comunicado divulgado pela agência estatal de notícias KCNA. “Eu certamente e definitivamente domarei o caduco americano mentalmente perturbado com fogo.”

O presidente norte-americano Donald Trump com o ditador norte-coreano Kim Jong Un e o presidente da Coreia do Sul Moon Jae-in, em foto de 2019 (Foto: The White House)
O presidente norte-americano Donald Trump com o ditador norte-coreano Kim Jong Un e o presidente da Coreia do Sul Moon Jae-in, em foto de 2019 (Foto: The White House)

A tensão entre ambos, porém, durou apenas um ano. Em fevereiro de 2018, Pyongyang manifestou o desejo de organizar um encontro entre os líderes, que no final acabaram realizando três reuniões presenciais. Na primeira, em Singapura, em 12 de junho, Kim aceitou negociar a desnuclearização do país em troca de garantias de segurança, uma promessa que nunca foi levada adiante.

Meses depois daquele encontro, o presidente dos EUA adotou o bom-humor para dizer a apoiadores, durante um comício, que ele e o antigo rival haviam se “apaixonado” após uma troca de cartas. “Ele me escreveu cartas lindas, e são ótimas cartas”, disse Trump na oportunidade, de acordo com o jornal The Washington Post.

Mais tarde, em um evento com autoridades políticas, reforçou o bom momento da relação. “É algo muito interessante de se dizer, mas eu desenvolvi um relacionamento muito, muito bom”, afirmou o norte-americano. “Veremos o que isso significa. Mas ele nunca teve um relacionamento com ninguém deste país e não teve muitos relacionamentos em lugar nenhum.”

Os dois ainda se encontraram duas vezes durante o mandato de Trump, uma delas no Vietnã, em fevereiro de 2019. O evento, que serviria para retomar as conversas de desarmamento, não se desenrolou até o final devido à exigência norte-coreana de que as sanções contra o país fossem retiradas. Naquele mesmo ano, em junho, houve uma terceira cúpula, na zona desmilitarizada entre as duas Coreias, sem maiores resultados.

Perto do fim do mandato, em campanha para a reeleição que viria a perder para Joe Biden, Trump afirmou que a relação com Kim era muito boa, deixando o poder com a ideia de que uma aproximação posterior poderia ser buscada pelo sucessor. O cenário desde então, no entanto, mudou para pior.

A Coreia do Norte que Trump encontrará em seu segundo mandato tem um arsenal nuclear ainda mais poderoso, fez testes bem-sucedidos com mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs, na sigla em inglês) capazes de atingir o território norte-americano e firmou um acordo de defesa com a Rússia que preocupa o Ocidente.

Atualmente, Pyongyang tem entre dez mil e 12 mil soldados em solo europeu para apoiar Moscou em sua guerra contra a Ucrânia, que tem nos EUA seu o principal financiador militar. Mais do que um aquecimento das tensões, porém, o retorno de Trump ao poder gera a expectativa de novas negociações com o objetivo de reduzir o poder nuclear norte-coreano.

“Trump sente que seu engajamento funcionou bem durante sua primeira presidência, pois ele sente que ‘resolveu’ a questão nuclear norte-coreana”, disse o professor de Relações Internacionais Ramon Pacheco Pardo, do King’s College, em Londres. “Além disso, as cúpulas de Trump com Kim atraíram atenção significativa da mídia, o que ele claramente aprecia.”

Bruce Klingner, ex-analista da CIA que agora trabalha na Fundação Heritage, um think tank conservador dos EUA, igualmente aposta na conciliação, mais que no distanciamento. Ele projeta essa realidade com um efeito mais midiático que prático, embora com potencial para conter os ânimos. Dependeria, porém, de concessões por parte do norte-americano, como a suspensão de manobras militares que funcionou em 2018

“Kim poderia lançar uma declaração de paz ou tratado para Trump como uma grande conquista potencialmente digna de um Prêmio Nobel da Paz, embora isso não fizesse nada para realmente reduzir a ameaça aos Estados Unidos e seus aliados”, disse Klingner à agência Reuters. “Tal acordo poderia estabelecer a base para reduzir as forças dos EUA na Coreia do Sul e no Japão.”

Na opinião de Karishma Vaswani, colunista da rede Bloomberg especializada em assuntos asiáticos, a proximidade entre Trump e Kim pode vir a calhar. “A disposição de Kim de intervir em conflitos distantes ressalta a urgência de uma ação internacional coordenada para conter suas ambições. O regime isolado saiu do radar do presidente Joe Biden. O próximo presidente deve trabalhar para conter a ameaça de uma nova frente precária emergindo no Indo-Pacífico”, diz ela em artigo publicado na quinta-feira (7).

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