A cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) que se inicia nesta terça-feira (9) em Washington tem um de seus membros no centro do debate. Não é a Hungria, cujo primeiro-ministro Viktor Orbán tem se rebelado conforme amplia os laços com o presidente russo Vladimir Putin. Quem mais preocupa a aliança atualmente é o Canadá, para quem os gastos com defesa parecem figurar no final da lista de prioridades governamentais.
O Canadá é um entre oito países que não atingem a meta de investimento em defesa, que é de 2% do PIB (produto interno bruto). Relatório divulgado pela aliança em junho indica que o país compromete somente 1,37% de seu PIB, com quatro nações apresentando porcentagem inferior: Bélgica (1,3%), Luxemburgo (1,29%), Eslovênia (1,29%) e Espanha (1,28%). Um grupo que tende a encolher, com o governo belga disposto a cumprir sua parte do trato em breve.
A posição de Ottawa, que até agora não sinalizou a intenção de ampliar o investimento militar até o piso da aliança, incomoda cada vez mais os aliados, conforme cresce a necessidade de fortalecer as defesas ocidentais ante à ameaça da Rússia. A pressão sobre o país, que tende a ser mais forte na cúpula, pode se tornar insustentável caso Donald Trump seja eleito presidente dos EUA.

Durante a campanha presidencial, ele contestou a postura daqueles que não atingem a meta e afirmou que não se comprometeria em defendê-los de uma eventual agressão, posição na qual se encaixa o Canadá.
“O que está acontecendo agora é que todo mundo está gastando mais, e o fato de que os canadenses nem estão tentando se tornou óbvio”, disse ao site Politico Max Bergmann, ex-funcionário de controle de armas do Departamento de Estado dos EUA.
O ministro da Defesa canadense, Bill Blair, admite que seu país está em dívida com a aliança e faz uma promessa pouco empolgada de mudar isso. “Sejamos claros: o Canadá está comprometido em cumprir sua promessa. E, embora tenhamos feito progressos significativos, sabemos que ainda temos muito trabalho a fazer”, disse ele em artigo publicado pelo site Breaking Defense.
Se Trump é uma preocupação futura, no presente é a Europa quem mais pressiona o Canadá. “Os europeus estão frustrados por estarem sendo criticados e o Canadá não estar sentindo a mesma pressão de Washington”, disse um funcionário estatal norte-americano ao Politico, pedindo anonimato devido à sensibilidade da questão.
Uma autoridade canadense ouvida pela rede CBC admitiu que o tratamento dispensado a seu país por Washington é menos rígido. “Com o tempo, quando tivemos essas cúpulas com americanos, ou reuniões, os observadores muitas vezes esperavam que os americanos nos criticassem. E, francamente, isso nunca acontece”, disse a fonte.
Há, entretanto, sinais de que a situação mudará. Um documento do governo citado pelo Politico destaca planos de chegar a 1,7% do PIB até 2030, embora não faça menção aos 2%. Tal número, no entanto, foi citado por Daniel Minden, porta-voz de Blair, segundo quem o país “está comprometido” com a meta.
Ao chegar lá, no entanto, é possível que o Canadá mais uma vez esteja defasado, vez que dentro da Otan há quem defenda o investimento ideal sendo de 3% do PIB, o que já foi atingido por Polônia, com 4,12%, Estônia, com 3,43%, e EUA, com 3,38%.
A prioridade destinada atualmente pelo Canadá aos gastos militares está totalmente fora de sintonia com a aliança. De 2023 para 2024, os gastos coletivos com defesa de 31 dos 32 integrantes subiram 17,9%, contra um aumento de 9,3% registrado no período equivalente anterior. Estes números abrangem apenas as nações europeias e o Canadá, desconsiderando os gastos descomunais dos EUA.
Sozinhos, os EUA gastam quase o dobro de todos os demais aliados somados, o que motiva as ameaças de Trump. O orçamento militar norte-americano previsto para este ano é de US$ 755 bilhões, enquanto as demais 31 nações, juntas, projetam investir US$ 430 bilhões. A diferença, entretanto, já foi bem maior, sendo a maior discrepância registrada em 2014, US$ 660 bilhões contra US$ 250 bilhões.
Para se ter ideia do impacto da guerra da Ucrânia, o crescimento dos gastos coletivos foi de apenas 3,7% de 2021 para 2022. A última vez em que foi registrada redução nos investimentos dessas nações foi no biênio 2013-2014, com queda de 0,9%. A mudança de postura há dez também esteve atrelada a ações de Moscou, que em 2014 colocou a aliança em alerta ao anexar a Crimeia.