Corrupção, apagão e ameaça à segurança nacional marcam trajetória da chinesa State Grid, vencedora do maior leilão de energia do Brasil

Empresa teve um executivo preso por receber propina, foi vetada na Austrália e teve que se justificar quando a China ficou no escuro

Na última sexta-feira (15), a chinesa State Grid foi a grande vencedora do maior leilão de transmissão de energia já promovido no Brasil, arrematando o primeiro e maior lote. A vitória, entretanto, não vem livre de questionamentos. Presente também em outros países ocidentais, a companhia chinesa enfrentou um escândalo de corrupção em 2014, foi uma das protagonistas dos recentes apagões na China e tem sido questionada na Austrália, onde inclusive foi impedida de fazer movimento idêntico ao que realizou no Brasil na semana passada.

O caso de corrupção atingiu o chefe da State Grid em Xangai, Feng Jun, preso em 2014 em meio a uma investigação que atingiu ao menos outros cinco executivos da companhia, de acordo com o jornal South China Morning Post. A corrupção dentro da companhia era um problema antigo, que não foi solucionado mesmo três anos após as primeiras suspeitas terem sido levantadas, em 2011.

Poucas informações surgiram depois da prisão de Feng por recebimento de propina, o que pode ser explicado pela censura do Partido Comunista Chinês (PCC). O executivo foi escolhido para ocupar o cargo no Congresso do partido em 2013, e a relação com o governo seria motivo suficiente para o caso ser tratado sob sigilo pelo Judiciário.

Torres de energia em São Paulo, outubro de 2014 (Foto: Marco Aurélio Esparza/WikiCommons)
China no escuro

A companhia voltou ao olho do furacão na China durante os apagões que atingem o país desde 2021, fruto de uma severa crise de fornecimento. No início do problema, a empresa admitiu que foi obrigada a realizar cortes de energia programados em determinadas áreas, segundo a agência Nikkei. Os alvos eram residências, com grandes empresas poupadas pela State Grid para preservar a economia chinesa.

Já neste ano, em junho, o presidente da empresa, Xin Baoan, disse que uma das alternativas encontradas para amenizar o problema no fornecimento foi abrir mão de metas ambientais de longo prazo previamente estabelecidas, segundo a rede Bloomberg.

“Devemos seguir a direção da energia verde e nova, mas com o pré-requisito de garantirmos a entrega e garantirmos um fornecimento estável”, justificou ele.

Assim, fez coro com o presidente Xi Jinping, segundo quem a China deveria “construir o novo antes de descartar o antigo”, deixando claro que a redução das emissões é prioridade secundária do país e de suas empresas.

O executivo ainda admitiu que o fornecimento de energia é um problema do país, que tem na State Grid a responsável pela maior parte da rede elétrica. “Houve um aumento drástico no consumo de energia na China”, declarou. “Em 2023, os requisitos gerais de energia serão satisfeitos. Mas, em certas regiões, nos horários de pico, poderá haver algumas pequenas lacunas.”

Segurança nacional

No Brasil a State Grid também foi alvo de uma polêmica. De acordo com o site Diálogo Chino, em 2015 a empresa tentou trazer para o país cerca de 11 mil trabalhadores chineses que seriam empregados na Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em obras de construção de linhas de transmissão. A ideia, no entanto, foi vetada com base na legislação trabalhista, sob a alegação de que estrangeiros não poderiam ocupar vagas para as quais trabalhadores brasileiros eram capacitados.

Mas é na Austrália onde a companhia chinesa enfrentou mais problemas. Em agosto de 2016, o jornal Financial Times noticiou que o país agiu para impedir que a State Grid e a Cheung Kong Infrastructure, de Hong Kong, comprassem uma participação de controle da Ausgrid, maior rede de distribuição de energia elétrica do país. Alegou razões de segurança nacional.

“Em particular, durante o processo de revisão, foram identificadas questões de segurança nacional em serviços críticos de energia e comunicações que a Ausgrid fornece a empresas e governos”, disse na ocasião Scott Morrison, então tesoureiro da Austrália e que em 2018 viria a ser eleito primeiro-ministro.

Ainda assim, mais tarde a companhia conseguiu entrar no mercado australiano ao comprar uma participação em outra rede de distribuição de energia e gás, a AusNet. No ano passado, entretanto, optou por vender sua cota, negociação fechada com um lucro de mais de duas vezes em relação ao valor de compra, como noticiou o site China Economic View.

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