A política externa do presidente Donald Trump, marcada pelo abandono de alianças históricas e pelo desmonte de compromissos multilaterais, abriu um vácuo inédito na cena global. Pela primeira vez desde 1945, o sistema internacional não conta com os Estados Unidos como guardião e financiador central de instituições criadas no pós-guerra. As informações constam de um artigo assinado por *Stewart Patrick, para o think tank Carnegie Endowment for International Peace, com sede em Washington.
A retração americana desperta paralelos com o período entreguerras, quando Washington rejeitou o Pacto da Liga das Nações – documento fundador da primeira organização internacional criada para promover a paz mundial após a Primeira Guerra, que durou de 1919 a 1946, quando foi oficialmente dissolvida e substituída pela ONU (Organização das Nações Unidas). A ausência de liderança contribuiu para a instabilidade política e econômica que culminou na Segunda Guerra Mundial. Hoje, analistas questionam se a ONU e outras instituições correm risco semelhante de esvaziamento e irrelevância.

Multipolaridade em curso
Enquanto os EUA se recolhem, outras potências avançam. A China amplia sua presença em organismos multilaterais e promove alternativas como a Nova Rota da Seda e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. A Rússia se reposiciona como contraponto ao Ocidente, enquanto Índia, Brasil, Turquia e África do Sul buscam maior protagonismo.
Esse movimento reforça a multipolaridade, mas não garante maior cooperação. O risco, segundo especialistas, é a formação de blocos rivais e o enfraquecimento das regras globais comuns.
O desafio do século XXI
Questões como mudanças climáticas, regulação da inteligência artificial (IA), pandemias e instabilidade financeira exigem respostas conjuntas. Sem liderança, porém, o multilateralismo pode dar lugar a arranjos fragmentados, de curto prazo, orientados por interesses regionais.
O futuro da ordem mundial dependerá, em grande medida, da capacidade de outros atores de ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos e de reinventar a cooperação internacional em bases mais plurais. Se isso não acontecer, o mundo corre o risco de assistir a uma nova versão da Liga das Nações: instituições enfraquecidas diante de crises globais cada vez mais complexas.
*Stewart Patrick é senior fellow e diretor do Programa de Ordem Global e Instituições (Global Order and Institutions Program) no Carnegie Endowment for International Peace, um dos principais think tanks de política internacional dos EUA