Uma “repressão sem precedentes” na Venezuela está “mergulhando o país em uma grave crise de direitos humanos.” A afirmação foi feita na terça-feira (17) pela ONU (Organização das Nações Unidas), segundo a qual o presidente Nicolás Maduro “intensificou drasticamente os esforços para esmagar toda a oposição pacífica ao seu governo”.
“Estamos testemunhando uma intensificação da máquina repressiva do Estado em resposta ao que ele percebe como visões críticas, oposição ou dissidência”, disse Marta Valiñas, presidente da Missão de Apuração de Fatos da ONU. “Embora esta seja uma continuação de padrões anteriores, que a missão já caracterizou como crimes contra a humanidade, a repressão recente, devido à sua intensidade e natureza sistemática, representa um ataque muito sério aos direitos fundamentais do povo venezuelano, cometido apesar de vários apelos dentro e fora do país para respeitar os direitos humanos.”
A Missão preparou um relatório que analisa a situação dos direitos humanos entre setembro de 2023 e agosto de 2024. E afirma que a situação piorou após as eleições presidenciais em julho, quando as autoridades “abandonaram toda a aparência de independência e, na prática, muitas garantias judiciais perderam sua eficácia, deixando os cidadãos desamparados diante do exercício arbitrário do poder”.
Violência estatal
Protestos populares tomaram o país após Maduro celebrar a vitória no pleito, alegando que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) concedeu a ele 51% dos votos. Porém, a oposição classificou o anúncio como fraudulento e contestou o resultado, afirmando que na verdade foi o rival Edmundo González quem venceu a eleição, com 70% dos votos.
Muitos venezuelanos, então, foram às ruas protestar e realizaram “cacerolazos”, batendo panelas e frigideiras. Houve demonstrações ainda mais vigorosas de descontentamento em várias parte do país, incluindo a derrubada de uma estátua do antecessor de Maduro, Hugo Chávez, no estado de Falcón.
Em Petare, uma das áreas mais pobres de Caracas, jovens mascarados arrancaram cartazes de campanha dos postes de luz. Alguns opositores bloquearam estradas, atearam fogo e lançaram coquetéis molotov na polícia, incluindo nas proximidades do palácio presidencial de Miraflores, em Caracas.
A resposta das forças de segurança foi violenta. De acordo com a ONG Human Rights Watch (HRW), autoridades venezuelanas e grupos armados pró-governo conhecidos como “coletivos” cometeram abusos generalizados, incluindo assassinatos, detenções e processos arbitrários e assédio a críticos.
O relatório da ONU endossa tais alegações. Ao menos 48 pessoas foram detidas antes da eleição sob a acusação de conspirar contra o governo. Em julho, a Missão de Apuração de Fatos documentou mais de 120 pessoas presas por manifestarem oposição ao regime, e na primeira semana de protestos houve mais de dois mil detidos, alguns acusados de terrorismo. Os alvos são militares, defensores dos direitos humanos, jornalistas e membros da oposição política.
“As vítimas e uma grande parte da população estão expostas ao exercício arbitrário do poder, com a detenção arbitrária usada sistematicamente, com graves violações do devido processo”, disse Francisco Cox, especialista da ONU. “A Missão havia alertado anteriormente que o governo poderia ativar seu aparato repressivo à vontade, e é precisamente isso que estamos observando agora.”