Projeto ‘Golden Dome’, de Trump, obriga a Rússia a reformular sua estratégia nuclear, diz especialista

Escudo espacial pode desencadear corrida armamentista e ameaça levar armas nucleares para o espaço, segundo James D. J. Brown

O anúncio do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre a criação de um novo escudo antimísseis norte-americano, o Golden Dome, está provocando fortes reações em Moscou e reacendendo debates sobre a estabilidade nuclear global. Em artigo publicado no Carnegie Politika, o professor James D. J. Brown, especialista em ciência política da Universidade Temple, afirma que o sistema representa uma guinada na estratégia de defesa norte-americana e deve forçar a Rússia a investir ainda mais em armamentos avançados, mesmo em meio às dificuldades provocadas pela guerra na Ucrânia.

Apresentado por Trump durante discurso no Congresso em março, o projeto tem como objetivo montar uma rede de defesa capaz de proteger o território norte-americano contra mísseis balísticos, hipersônicos e de cruzeiro, inclusive de potências como Rússia e China. O sistema não será apenas terrestre: segundo o general B. Chance Saltzman, chefe das operações espaciais da Força Espacial dos EUA, trata-se de “um sistema de sistemas”, com uma constelação de satélites de detecção e interceptadores orbitais.

A meta de Trump é clara: entregar resultados antes do fim de seu mandato, em janeiro de 2029. Para isso, o projeto contará com gigantes do setor de defesa como Lockheed Martin, além de empresas de tecnologia como SpaceX, Anduril e Palantir. A primeira parcela de financiamento prevista por congressistas republicanos chega a US$ 24,7 bilhões (R$ 140,4 bilhões). Mas estimativas indicam que os custos totais podem se aproximar de US$ 831 bilhões (R$ 4,7 trilhões).

Trump no Jardim das Rosas da Casa Branca: “paz por meio da força” (Foto: White House/Flickr)

Do lado russo, o temor é de que o Golden Dome destrua o equilíbrio da dissuasão nuclear. Desde a retirada dos EUA do Tratado de Mísseis Antibalísticos, em 2002, autoridades de Moscou alertam para os efeitos desestabilizadores desses sistemas. Em 2019, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia classificou os planos anteriores de defesa antimísseis dos EUA como prova do “desejo de Washington de garantir dominação militar incontestada no mundo”.

Agora, com o novo sistema direcionado não apenas a “adversários marginais”, mas também a “adversários pares” e “quase-pares” — como Rússia e China —, a avaliação em Moscou é de que os Estados Unidos abandonaram de vez qualquer compromisso com a estabilidade estratégica.

Para contornar o sistema, o Kremlin deve intensificar o desenvolvimento de armas nucleares não convencionais, como o torpedo Poseidon e o míssil de cruzeiro Burevestnik, ambos com propulsão nuclear. Este último, apelidado de “Chernobyl voador”, já causou a morte de cinco engenheiros em um teste fracassado, segundo o artigo. Além disso, há a possibilidade de uso de armas nucleares antissatélite, o que, embora eficaz contra satélites militares, poderia provocar destruição massiva na infraestrutura espacial civil mundial.

“Trump quer que o projeto seja uma grandiosa manifestação de sua agenda de ‘paz por meio da força’”, escreve Brown, citando que o projeto é claramente influenciado pelo Iron Dome, de Israel, e pela Iniciativa de Defesa Estratégica do ex-presidente norte-americano Ronald Reagan.

A consequência imediata, segundo Brown, é o risco de uma nova corrida armamentista. E, mesmo que o Golden Dome nunca se concretize nos moldes propostos, avalia o autor, a simples perspectiva de sua existência força uma resposta cara, perigosa e potencialmente desestabilizadora do outro lado do Atlântico.

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