Mundo vive nova corrida armamentista e terá ‘uma década mais perigosa’, segundo estudo

Conflitos em curso em todos os continentes estimulam os gastos militares e aumentam a tensão entre as superpotências

O ambiente de segurança global se deteriorou, dando início a uma nova corrida armamentista que contrapõe a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), sob a liderança dos EUA, ao bloco encabeçado por China e Rússia. A constatação é do relatório “Balanço Militar 2024“, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), segundo o qual o mundo se prepara para enfrentar uma “década mais perigosa.”

O estudo cita focos de tensão em todos os continentes, desde a guerra HamasIsrael até o conflito entre Rússia e Ucrânia, passando pela tomada de Nagorno-Karabakh pelo Azerbaijão, os golpes de Estado em países da África, as ações desestabilizadoras da China em torno de Taiwan e no Mar da China Meridional e os ataques contra infraestruturas nacionais críticas como gasodutos e cabos de dados submarinos.

Embora alguns desses cenários já estivessem estabelecidos antes de 2022, como as tomadas de poder na África e a reivindicação de Taiwan por Beijing, foi a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro daquele ano, que inseriu o Ocidente efetivamente na turbulência.

Exército chinês realiza exercício militar em agosto de 2021 (Foto: eng.chinamil.com.cn/)

De acordo com o relatório, a guerra entre Moscou e Kiev “estimulou os países europeus a aumentarem os gastos com Defesa e fortaleceu a Otan, com a Finlândia acrescentando poder de combate e experiência em planos de resiliência social.” Então, decreta que “a atual situação de segurança militar anuncia o que será provavelmente uma década mais perigosa.”

Considerando os números de 2023, os EUA continuam sendo de longe o país que mais investe em Defesa, com US$ 905 bilhões gastos no período. A China aparece em segundo lugar, com US$ 219 bilhões investidos no ano passado, enquanto a Rússia dedicou US$ 108 bilhões ao setor militar. Se a Índia for adicionada ao pacote, esses quatro países respondem por 70% dos gastos militares globais.

“As ameaças à ordem baseada em regras se intensificaram ao longo do último ano, levando os governos a reavaliarem as prioridades de segurança, as despesas de Defesa e o planejamento de equipamento”, diz o relatório. “Também levantaram preocupações sobre as capacidades industriais de Defesa e levaram à constatação de que os esforços de modernização precisam equilibrar a manutenção das capacidades tradicionais, como a artilharia, com a adoção de tecnologias mais recentes, como sistemas desabitados e armas de alta velocidade.”

Otan em alerta

O relatório surge no momento em que a Otan celebra projeções favoráveis para os próximos anos. Na quarta-feira (14), o secretário-geral Jens Stoltenberg afirmou que 18 dos 31 países-membros vão comprometer 2% do PIB (produto interno bruto) com Defesa em 2024, sendo esta a meta estabelecida pela aliança. Em 2023, segundo ele, apenas 11 países atingiram o patamar.

Stoltenberg se manifestou em resposta ao candidato à presidência dos EUA Donald Trump, que ameaçou abandonar militarmente os aliados que não atingissem os gastos militares definidos pela aliança. “Os Estados Unidos nunca travaram uma guerra sozinhos”, reagiu o secretário-geral, segundo a agência Reuters.

Um caso emblemático é o da Alemanha, que em 2023 gastou US$ 63,7 bilhões com Defesa, recorde histórico, segundo o IISS. Em 2024 o país irá além, alocando US$ 76,8 bilhões para o setor militar e atingindo pela primeira vez a meta de 2% do PIB.

A França segue pelo mesmo caminho, tendo US$ 413 bilhões de euros de despesas militares planejadas para os próximos sete anos. O objetivo é atingir os 2% do PIB a partir de 2025, mas fontes ouvidas pela Reuters estimam que isso pode ser antecipado. No ano passado, conforme o relatório do IISS, Paris teve um orçamento de Defesa de US$ 60 bilhões.

“As ações da Rússia revigoraram a Otan”, diz o relatório, destacando mais uma vez a adesão da Finlândia, que compartilha uma fronteira de cerca de 1,34 mil quilômetros com o território russo, a mais longa entre os países da União Europeia (UE). Diz o IISS que o ingresso do novo membro evidencia a forma como Moscou “avaliou mal o impacto que o seu ataque à Ucrânia teria no cenário de segurança regional.”

O fator China

Embora a Rússia mereça atenção especial no estudo, a China não fica muito atrás. Alemanha, Austrália e Nova Zelândia são citadas como nações que manifestaram particular preocupação com Beijing e a “falta de transparência em torno dos seus planos de Defesa.”

“Os Estados ocidentais estão tentando equilibrar o seu foco na guerra na Ucrânia com seus interesses estratégicos na Ásia”, diz o IISS, citando questões não apenas militares, mas também comerciais. “Os EUA também intensificaram os seus esforços para fortalecer os laços regionais e contrabalançar uma política externa chinesa mais assertiva”, acrescenta o estudo.

Na Ásia, um tema particularmente delicado é o nuclear, com Coreia do Norte e China investindo em armas de destruição em massa. A situação levou inclusive a Coreia do Sul a levantar a possibilidade de trabalhar para ter seu próprio arsenal. Um desdobramento paralelo é o aumento das alianças entre nações da região, “com o objetivo claro de melhorar a sua situação de segurança.”

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