O Unicef, Fundo das Nações Unidas para a Infância, recebeu pelo menos 1,8 mil crianças desacompanhadas no Haiti, entregues pelas autoridades de imigração dominicanas desde o início do ano. O movimento é parte de uma ampla campanha do governo local para a remoção de suspeitos de migração irregular. As informações são da rede CNN.
A República Dominicana vem há bastante tempo tentando reduzir a população haitiana dentro do seu território. No entanto, a última onda de deportações ocorreu em uma velocidade acelerada, o que gerou duras críticas de observadores internacionais, que acusaram o governo da nação caribenha de “discriminação racial, execução caótica e desrespeito aos direitos humanos“. Ainda não está claro se as crianças foram expulsas sem os pais, se separaram durante a viagem ou fugiram sozinhas do Haiti.
Segundo dados da organização de ajuda haitiana Groupe d’Appui des Rapatriés et Refugiés (da sigla em francês Gaar, Grupo de Apoio à Repatriação dos Refugiados), só no mês passado, 14.801 pessoas foram enviadas da República Dominicana para o Haiti, o que dá uma média de 477 pessoas por dia.
Vídeos que viralizaram nas redes sociais mostram agentes de imigração conduzindo batidas que deixaram desesperados haitianos e pessoas de origem haitiana na República Dominicana. A força-tarefa varreu até pessoas independentemente de sua nacionalidade ou status legal. O pânico foi tamanho que até mesmo residentes legais relatam que estão com medo de sair de casa.
“Eu estava dormindo em minha casa com minha família. Às três da manhã, um grupo de oficiais da imigração arrombou minha porta e me prendeu. Eles não me pediram meus papéis nem nada. Não me deixaram falar”, contou à reportagem um homem de origem haitiana, cuja carteira de trabalho estava em processo de renovação quando foi preso.
Em nota disparada no domingo (20), o Ministério das Comunicações do Haiti pediu a seu vizinho que respeite a “dignidade humana”. O órgão governamental mencionou as imagens nas mídias sociais, as quais classificou como “impressionantes”: “chamaram a atenção para o tratamento desumano e degradante infligido aos cidadãos haitianos na República Dominicana”.
As tensões consequentes da migração existem há anos entre os dois países. Porém, houve piora após o assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse em 2021, que colocou um Haiti já em pedaços no caos.
Diante da atmosfera de pressão, a embaixada dos Estados Unidos na República Dominicana emitiu um comunicado no sábado (19), em que advertiu os negros e “americanos de pele mais escura” sobre o risco que eles correm de “aumentar a interação” com as autoridades dominicanas, mencionando a existência de “relatos sobre o tratamento desigual” dos cidadãos dos EUA com base na cor da pele.
“Há relatos de que os detidos são mantidos em centros de detenção superlotados, sem possibilidade de contestar sua detenção e sem acesso a comida ou banheiros, às vezes por dias, antes de serem libertados ou deportados para o Haiti”, acrescentou o comunicado dos EUA.
ONU pede fim das deportações
Enquanto o Haiti luta para se recuperar de crises políticas e de segurança interligadas, a ONU (Organização das Nações Unidas) pede à República Dominicana que pare de enviar pessoas para lá.
“A violência armada incessante e as violações sistemáticas dos direitos humanos no Haiti atualmente não permitem o retorno seguro, digno e sustentável dos haitianos ao país. Reitero meu apelo a todos os países da região, incluindo a República Dominicana, para interromper a deportação de haitianos”, disse no início deste mês o alto comissário da ONU para os direitos humanos, Volker Türk.
Por que isso importa?
O ambiente que os haitianos encontram na volta ao país é o pior possível. O PMA (Programa Mundial de Alimentos) alertou em julho deste ano que a insegurança alimentar deve piorar no Haiti. Quase metade da população já está nessa situação devido à combinação da alta da inflação, subida de custos de alimentos e de combustíveis, além da degradação da segurança.
Em nota, a agência da ONU destacou uma piora drástica na questão da segurança pública na capital Porto Príncipe e arredores desde maio. A situação cortou as cadeias de suprimentos, o acesso a serviços básicos, como mercados, escolas e hospitais, e a subsistência dos haitianos em todo o território.
Entre os efeitos da violência estão a grave crise de proteção e a dificuldade de acesso e de compra de alimentos pela população.
Com o aumento global de preços devido ao conflito na Ucrânia, a inflação no Haiti chegou a 26%. O Haiti importa 70% dos cereais que consome e está propenso a choques nos mercados globais de alimentos e combustíveis.
Outra preocupação é com a previsão de uma temporada de furacões neste ano, mais ativa do que o normal no Atlântico.