Sancionado pelos EUA, indivíduo associado ao Estado Islâmico possui negócios no Brasil

Osama Abdelmongy Abdalla Bakr, contrabandista de armas "vital" para o EI, tem nacionalidade brasileira e uma empresa no Paraná

Após os EUA aplicarem sanções a membros do Estado Islâmico (EI) da Somáliaanunciadas pelo Departamento do Tesouro na semana passada, um cidadão egípcio que mantém fortes laços com o Brasil e é considerado um “apoiador vital” da organização teve suas ações descortinadas.

Osama Abdelmongy Abdalla Bakr, apontado como contrabandista de armas, tem há ao menos seis anos trânsito livre no território brasileiro, onde teria negociado com a embaixada da Coreia do Norte a compra de equipamentos para o arsenal do grupo terrorista. A informação levantou dúvidas quanto à presença da organização jihadista no país.

Bakr, de 54 anos, tem nacionalidade brasileira desde janeiro de 2020 e possui um empreendimento registrado em seu nome no país. O negócio, que tem como data de abertura 14 de junho de 2022, tem o egípcio como sócio-administrador e opera sob o nome de Atrás do Atlântico Comércio de Exportação e Importação LTDA, uma microempresa sediada na cidade de Paranavaí, no Paraná.

Comando de Operações Táticas da Polícia Federal, em novembro de 2014 (Foto: reprodução/Facebook PF)

De acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAES), a natureza dos serviços é a de “comércio atacadista de mercadorias em geral, sem predominância de alimentos ou de insumos agropecuários”. A situação cadastral até o momento é ativa.

O início da relação de Bakr com o Brasil data de 2016. Segundo um comunicado de imprensa emitido pelo Tesouro dos EUA, líderes do EI o instruíram a entrar em contato com autoridades norte-coreanas no Brasil para tentar obter armas leves, tecnologia antidrones e outros armamentos no mesmo ano.

Ele supostamente não teve sucesso nesta missão, embora tenha recebido aproximadamente US$ 30 mil do Estado Islâmico para custear suas atividades. Mesmo assim, manteve contato com os jihadistas pelo menos até 2018.

Bakr é descrito como um elo fundamental no tráfico de armas para o EI. Segundo o Ministério das Finanças da Somália, ele é o “importador ilegal mais ativo no Estado somali desde 2020”.

As operações dele mantêm fortes laços com as organizações terroristas internacionais Al-Qaeda e seu afiliado somali, o Al-Shabaab. E ocorrem também com intensidade no Iêmen, de acordo com a rede Radio Free Asia.

As penalidades impostas ao egípcio vêm na esteira de diversas outras medidas das forças de segurança globais cujo objetivo é atacar as redes de tráfico de armas na África Oriental.

A Referência tentou contato com Bakr através do e-mail de sua empresa no Paraná, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

“Ética” norte-coreana

Ouvido pelo site especializado em Coreia do Norte NK News, Benjamin Young, professor da Virginia Commonwealth University, disse que Pyongyang tem “uma longa história de fornecimento de armas e munição para atores radicais não estatais”. Apesar disso, a embaixada norte-coreana no Brasil pode não ter cedido as armas ao traficante egípcio por uma questão de “princípios”. 

O apoio e o envolvimento norte-coreano em assassinatos em solo estrangeiro levaram Washington a classificar a fechada nação liderada por Kim Jong-un como “Estado Patrocinador do Terrorismo” em 2017, lembra Young. No entanto, o estudioso diz que mesmo a Coreia do Norte não ultrapassa algumas linhas.

“O Estado Islâmico é uma organização maligna à qual Pyongyang não se rebaixa”, disse.

Mesmo que a Coreia do Norte esteja tradicionalmente mais conectada a grupos de extrema esquerda, como o Exército Vermelho Japonês, a Frente Popular para a Libertação da Palestina e os Tigres de Liberação do Tamil, pesquisadores descobriram em 2014 que insurgentes do EI estavam usando munição e lançadores de foguetes fabricados no país.

No entanto, analistas sustentam que há uma probabilidade maior de que os jihadistas tenham capturado essas armas de esconderijos do governo sírio, ou seja, o negócio não teria sido um negócio diretamente fechado com Pyongyang.

Armamento que o exército da Síria diz ter confiscado de combatentes do EI (Foto: Forças Democráticas Sírias/Twitter)
Inteligência brasileira

Barbara Krysttal, gestora de Políticas Públicas com Foco em Controle de Defesa Nacional e analista de Inteligência e Antiterrorismo, contou À Referência como funciona o enfrentamento ao extremismo no Brasil, onde a ação de grupos radicais é inserida no rol de crimes hediondos.

“Um dos princípios da Constituição Federal é o repúdio ao terrorismo no Brasil e em suas relações internacionais. A possibilidade de os recrutadores serem cidadãos comuns e profissionais integrados à sociedade é vista como um alto risco pelas autoridades. Logo, a importância de manter o controle e a vigilância”, disse.

Segundo ela, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) pode desempenhar o papel de dissuasão e prevenção de potenciais ameaças provenientes do novo terrorismo global.

“O SISBIN vem contribuindo para a detecção e neutralização do novo terrorismo global no país, por intermédio da adoção de algumas ações, tais como rastreamento dos meios de financiamento do terrorismo, cooperação na área de defesa em âmbito regional, análise das dinâmicas sociais, migratórias e das atividades criminosas ligadas à atividade terrorista e que afetam diretamente a segurança nacional”, detalhou.

Terroristas no Brasil

A atuação de indivíduos ligados a grupos extremistas islâmicos não é novidade no Brasil. Um dos episódios mais famosos ocorreu em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio. Na ocasião, a Polícia Federal (PF) foi informada pela inteligência dos EUA da presença de jihadistas islâmicos que planejavam atentados semelhantes aos dos Jogos Munique 1972, quando atletas de Israel foram sequestrados e mortos.

Dez suspeitos de serem aliados do Estado Islâmico foram presos e dois fugiram. O grupo ainda incentivava ataques de lobos solitários contra atletas de Reino Unido, Estados Unidos e França, sugerindo o uso de venenos ou explosivos ligados a drones, conforme noticiou o jornal britânico Daily Mail.

Dois anos depois, a PF prendeu em Foz do Iguaçu, no Paraná, o libanês Assad Ahmad Barakat, suspeito de financiar grupos terroristas. E, bem antes disso, em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos. 

Mais recentemente, em dezembro do ano passado, o Tesouro norte-americano sancionou três indivíduos acusados de ligação com a Al-Qaeda que vivem no Brasil.

Haytham Ahmad Shukri Ahmad Al-Maghrabi, no país desde 2015, é acusado de ser “um dos membros iniciais de uma das redes da Al-Qaeda” por aqui. Ele teria sido o contato brasileiro de Ahmed Mohammed Hamed Ali, designado como terrorista por Washington em 2012 e acusado de envolvimento nos atentados contra as Embaixadas dos EUA na Tanzânia e no Quênia.

Mohamed Sherif Mohamed Awadd, que vive no Brasil desde 2018, é acusado de receber transferências bancárias de outros associados da Al-Qaeda no país. “Até o final de 2018, Awadd desempenhou um papel significativo em um grupo afiliado à Al Qaeda, sediado no Brasil, e estava envolvido na impressão de moeda falsa”, diz o documento do Tesouro.

O terceiro indivíduo sancionado é Ahmad Al-Khatib, igualmente acusado de dar suporte à Al-Qaeda. Uma empresa estabelecida desde 2019 em nome dele, a Enterprise Comércio de Móveis e Intermediação de Negócios EIRELI, também de Guarulhos, foi igualmente adicionada à lista de sanções.

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