A confiança sul-coreana na aliança com os Estados Unidos se mostra abalada diante das ameaças nucleares da Coreia do Norte. Com um crescente arsenal nuclear do outro lado da fronteira e testes de mísseis ameaçadores, muitos sul-coreanos vêm questionando a promessa de proteção de Washington, tida como fundamental para sua democracia. As informações são da agência Associated Press (AP).
Há preocupações de que um chefe da Casa Branca possa hesitar em usar armas nucleares para defender a Coreia do Sul de um ataque dos vizinhos do Norte, temendo a possibilidade de retaliação que poderia resultar em muitas vítimas norte-americanas. Diante desse quadro de incertezas, a maioria dos sul-coreanos, chegando a 70% a 80% em algumas sondagens, apoia a ideia de Seul adquirir esse tipo de armamento de destruição em massa ou pedir o retorno das armas táticas que foram retiradas pelos EUA nos anos 1990.
“Penso que um dia eles poderão nos abandonar e seguir seu próprio caminho se isso servir melhor aos seus interesses nacionais”, disse à reportagem da AP Kim Bang-rak, um segurança de 76 anos de Seul, referindo-se aos Estados Unidos. “Se a Coreia do Norte nos bombardear, deveríamos responder da mesma forma em retaliação, por isso seria melhor para nós ter armas nucleares.”
Elevando essas preocupações, poucas horas antes do início dos exercícios com tanques entre os EUA e a Coreia do Sul em Cheorwon, o líder norte-coreano Kim Jong-un supervisionou dois lançamentos de testes de mísseis balísticos. Esses testes visavam simular ataques nucleares de “terra arrasada” contra centros de comando e campos de aviação sul-coreanos.
Essa ação aumenta o desconforto em Seul, destacando um debate mais amplo sobre a posse de armas nucleares, uma questão persistente desde os eventos de Hiroshima e Nagasaki em 1945.
O crescente apoio à posse de armas nucleares na Coreia do Sul não ocorre isoladamente. Especialistas destacam uma corrida armamentista global, com nove países gastando quase 83 bilhões de dólares em armas nucleares em 2022 – EUA, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel –, representando um aumento de 2,5 bilhões em relação a 2021.
Liderados por Washington, que sozinha gastou 43,7 bilhões, esse cenário global coloca Seul em uma posição crucial. Sua abordagem para a questão nuclear pode impactar a aliança EUA-Coreia do Sul e ameaçar um delicado equilíbrio nuclear que tem mantido a paz na região.
As autoridades norte-americanas estão confiantes de que qualquer ataque de Pyongyang a Seul resultaria em uma resposta esmagadora. Sob o compromisso de um tratado, os Estados Unidos mantêm 28,5 mil soldados na Coreia do Sul e 56 mil no Japão, com dezenas de milhares de americanos vivendo na grande Seul, localizada a cerca de uma hora da fronteira inter-coreana.
E se a violência aumentar?
O ministro da Defesa sul-coreano, Shin Wonsik, afirmou recentemente que os EUA concordaram em usar todas as suas capacidades militares, incluindo nucleares, para defender o Sul de um hipotético ataque norte-coreano.
O apoio sul-coreano às armas nucleares está relacionado aos avanços armamentistas de Pyongyang e à invasão russa na Ucrânia. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, a Coreia do Norte afirma ter 60 armas nucleares e está instalando mísseis “táticos” na fronteira coreana, indicando a intenção de equipá-los com armas nucleares de menor potência.
Se a violência aumentar, alguns observadores acreditam que a Coreia do Norte, superada em poder de fogo pelos EUA e Coreia do Sul e temendo pela segurança de sua liderança, pode optar pelo uso de uma bomba nuclear tática.
Robert Kelly, professor de ciências políticas na Universidade Nacional de Pusan, afirma que não existe mais um cenário puramente convencional na Coreia, pois a Coreia do Norte “perderia rapidamente em um conflito convencional”, aumentando a probabilidade de usar armas nucleares primeiro, pelo menos taticamente.
Em agosto, a Coreia do Norte anunciou que suas forças armadas realizaram um exercício inédito de ocupação completa ao território dos rivais do Sul como parte de um treinamento de contra-ataque. A simulação, que incluiu um “exercício de ataque nuclear tático” envolvendo todos os militares da fechada nação, nunca havia sido divulgada pelos meios de comunicação estatais.
Pyongyang já testou mísseis nucleares e disse como usaria em potenciais conflitos contra Seul e Washington.
Acordo
Os Estados Unidos e a Coreia do Sul têm um acordo de aliança militar chamado “Tratado de Defesa Mútua”. O tratado foi assinado em 1º de outubro de 1953 e estabelece que, em caso de agressão armada contra uma das partes, ambas as nações cooperarão para garantir a paz e a segurança na região.
O acordo prevê a assistência mútua em caso de ameaça ou ataque armado por parte de qualquer país que não seja uma das partes do tratado. O compromisso principal é fortalecer a defesa coletiva contra ameaças externas, especialmente considerando a situação na Península Coreana.