Suposto ataque de drones para assassinar Putin gera acusações, ofensas e teorias da conspiração

Moscou culpa Kiev e Washington, que negam envolvimento. Zelensky entra na mira da raivosa ala pró-Kremlin da mídia e da política russas

De acordo com o governo da Rússia, dois drones realizaram uma frustrada tentativa de assassinar o presidente Vladimir Putin no Kremlin entre a noite de terça-feira (2) e a manhã de quarta, pelo horário local. Sem apresentar provas, Moscou atribuiu o ataque à Ucrânia, que oficialmente negou envolvimento. Desde então, o episódio gerou uma troca de acusações entre os rivais em guerra, ofensas direcionadas ao líder ucraniano Volodymyr Zelensky e teorias da conspiração que envolvem até Washington.

Ao relatar o suposto ataque, Moscou imediatamente apontou o dedo para os ucranianos. “O regime de Kiev realizou uma tentativa de desferir um ataque com veículos aéreos não tripulados à residência do presidente russo no Kremlin. Dois veículos aéreos não tripulados atacaram o Kremlin”, disse o serviço de imprensa oficial da presidência, segundo reproduziu a agência estatal Tass.

Ainda de acordo com o governo russo, os drones teriam sido desativados por sistemas eletrônicos das forças armadas. “Sua queda e os fragmentos espalhados pelo território do Kremlin não causaram vítimas ou danos materiais”, afirmou o Kremlin no comunicado.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, março de 2022 (Foto: WikiCommons)

Kiev não demorou para responder e negar envolvimento. “Não estamos atacando Putin ou Moscou. Estamos lutando em nosso próprio território, defendendo nossas aldeias e cidades”, disse Zelensky ao ser questionado por jornalistas durante visita à Finlândia.

Segundo informações reproduzidas pelo site oficial da presidência, Zelensky alegou que suas tropas sofrem com a escassez de armas, o que inviabilizaria um ataque ao Kremlin mesmo que essa fosse a intenção. E gerou então a primeira teoria da conspiração, ao acusar a Rússia de tentar criar um factoide para seduzir a opinião pública.

“Ele não pode mais motivar sua sociedade e enviar soldados para a morte assim. Ele não pode mais motivar seu Estado. Ele não tem vitórias no campo de batalha. O segundo exército do mundo perdeu. Eles são incapazes de ocupar a Ucrânia. Eles nos rejeitaram. Agora ele precisa de alguma forma motivar essas pessoas para que sigam em frente”, justificou o presidente ucraniano.

Se essa foi de fato a estratégia russa, apresentou algum resultado positivo. Logo após a negativa do lado ucraniano, Zelensky passou a ser alvo de ofensas partindo sobretudo da mídia pró-Kremlin e de aliados políticos, segundo relatou a revista Newsweek.

Vladimir Solovyov, um jornalista e comentarista político pró-Putin, usou de homofobia para se referir ao líder ucraniano. “Ele é muito coquete, tem até maneirismos LGBT. Ele faz beicinho como o traseiro de um pato tentando dizer algo sobre o país em que está”, disse o russo. O vídeo com as ofensas está no YouTube, com legendas em inglês.

Então, uma segunda teoria da conspiração foi apresentada por Solovyov, que acusou Zelensky de Ir à Finlândia porque já sabia do ataque a Putin e queria evitar um contra-ataque russo. “Ele está tão assustado, ele é um covarde tão patético que decidiu ficar lá por mais tempo”, disse o jornalista, que fez mais uma ameaça. “É isso, Zelensky. Tenha medo em todos os lugares, a contagem regressiva começou”.

O governo russo não deixou a propaganda estatal somente a cargo da imprensa aliada. Dmitry Peskov, porta-voz da presidência, agiu da mesma forma e culpou os EUA pelo ataque. “Tais tentativas de negar isso tanto em Kiev quanto em Washington são, é claro, absolutamente ridículas. Sabemos muito bem que a decisão sobre tais ações e ataques terroristas não é tomada em Kiev, mas em Washington”, disse ele, segundo a agência estatal Interfax

Peskov fortaleceu sua teoria dizendo haver evidências que a sustentam. “É muito importante aqui que Washington entenda que sabemos disso e entenda o quão perigosa é essa participação direta no conflito”, afirmou o porta-voz de Putin. “São os dados que temos, os dados que nossos serviços especiais recebem”, acrescentou ele.

A troca de acusações inflamou os ânimos entre os aliados políticos de Putin, que desferiram golpes verbais. O principal deles, o ex-presidente Dmitry Medvedev, manteve o costumeiro tom fanfarrão. “Depois do ataque terrorista de hoje, não há opções além da eliminação física de Zelensky e sua camarilha”, bravateou ele no Telegram, em declarações reproduzidas pela Tass.

O legislador russo Leonid Slutsky, chefe do Comitê de Assuntos Internacionais da Duma Estatal, seguiu pelo mesmo caminho. “O objetivo do planejado ataque terrorista e tentativa de assassinato do presidente russo foi, sem dúvida, semear o pânico entre os russos na véspera do Dia da Vitória. Portanto, a resposta deve ser dura, o mais dura possível”, afirmou, referindo-se ao feriado nacional russo de 9 de maio.

Inseridos na troca de farpas, os Estados Unidos ainda não se manifestaram oficialmente. De acordo com o site Politico, “altos funcionários do governo Biden estão trabalhando para confirmar se o suposto ataque foi ordenado por Kiev”. E trabalham com duas hipóteses: uma ação ucraniana, como acredita Moscou, ou um ataque russo de bandeira falsa para atrair a simpatia popular, como sugere Kiev.

Um desses altos funcionários, porém, antecipou que Washington  “não tinha conhecimento prévio” da ação com drones, negando assim o envolvimento norte-americano. “Estamos analisando o relatório, mas não podemos confirmá-lo ou validar sua autenticidade”, disse outra fonte.

Alina Polyakova, presidente e CEO do think tank norte-americano Center for European Policy Analysis (CEPA), sediado em Washington, jogou um pouco de informação no caldeirão de especulações. “A ideia de que isso foi uma tentativa de assassinato é absolutamente ridícula”, disse ela ao Politico. “O Kremlin é um bunker, e parecia um drone improvisado que só poderia causar um mínimo de dano”.

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