Um relatório de grupos ativistas birmaneses emitido na segunda-feira (16) solicitou que a fabricante francesa de aviões Airbus utilize sua influência sobre a Aviation Industry Corporation of China (AVIC) para pressionar a estatal chinesa a interromper a venda de armas para a junta militar de Mianmar. As informações são da rede Voice of America (VOA).
Yadanar Maung, porta-voz do grupo Justice for Myanmar, que conduziu uma investigação junto à ONG Info Myanmarnie, afirmou que “a Airbus e seus acionistas estatais devem interromper o fornecimento de armas para o exército genocida de Mianmar ou garantir que a Airbus corte seus laços comerciais com a corporação para sempre”.
As duas organizações afirmam que a estatal, com a qual a Airbus possui diversos acordos de cooperação e investimento, fornece aeronaves de guerra por meio de uma subsidiária à junta militar de Mianmar, que assumiu o poder em 2021 após um golpe que pôs fim a uma década de democracia.
A AVIC, reconhecida como uma das principais empresas do setor de defesa do mundo, fornece aeronaves e armamentos à junta militar de Mianmar, que estão sendo utilizados em ataques aéreos no país devastado pela guerra.
O relatório de 37 páginas destaca, entre outros exemplos, a entrega de seis caças FTC-2000G em novembro de 2022, que foram utilizados em janeiro para bombardear grupos rebeldes no nordeste do estado de Shan, além de outros ataques que matam inclusive civis.
“A Airbus tem ignorado os acordos corruptos da corporação com o brutal Exército de Mianmar por tempo demais. Com os relatórios e a documentação da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre a crise de direitos humanos em Mianmar, a Airbus deveria estar ciente de que seu parceiro comercial fornece aeronaves, armamentos e serviços de manutenção para a junta militar”, afirmou Yadanar Maung.
O relatório revela que a Airbus não só manteve, mas ampliou seus investimentos em empresas controladas pela AVIC. Segundo o documento, a Airbus tem um investimento significativo na AviChina, a holding da AVIC listada em Hong Kong, que é uma parceira estratégica da AVIC China.
Outros investidores, como o Fundo de Pensão do Governo da Noruega, já se retiraram devido às conexões da estatal com a junta militar.
Os acionistas da Airbus incluem os governos da Espanha, França e Alemanha, que já condenaram os ataques do exército de Mianmar. As ONGs pedem que esses governos garantam que a Airbus tome medidas para cortar suas ligações com os crimes de guerra cometidos em Mianmar.
Philippe Gmerek, porta-voz da Airbus, afirmou à VOA que a empresa está seguindo as sanções contra Mianmar e o direito internacional em sua relação com a AVIC. Ele destacou que a Airbus não fornece produtos de defesa a Mianmar e se compromete a conduzir seus negócios de forma ética e em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU. A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, o partido NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão da líder democrática Aung San Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.