China desrespeitou a soberania de mais de 50 países para repatriar cidadãos à força, aponta relatório

Brasil aparece na lista de nações que tiveram suas leis desrespeitadas por Beijing ao perseguir supostos criminosos no exterior

Desde 2014, o governo da China realiza uma grande operação policial internacional batizada “Caça à Raposa”, para repatriar cidadãos que vivem no exterior e respondem a ações criminais na terra natal. Nesse período, Beijing alega que já conseguiu forçar cerca de 12 mil chineses a retornar ao país para responder à Justiça. Entretanto, a campanha de repatriação por vezes ignora as leis e a soberania das nações anfitriãs, com as autoridades chinesas usando métodos escusos, que vão contra as normas de direitos humanos, para fazer valer sua própria legislação mesmo no exterior. Esses casos vêm sendo documentados pela ONG espanhola Safeguard Defenders, que publicou um novo relatório com quase 300 episódios devidamente apurados e confirmados. Um deles no Brasil.

De acordo com o governo chinês, os mais de 12 mil casos de repatriação bem-sucedida foram registrados em 120 países. Em todos, Beijing alega que os alvos eram criminosos procurados por crimes diversos e viviam no exterior para fugir de suas obrigações legais. Porém, ao convencê-los a retornar, as autoridades chinesas costumam adotar métodos abusivos, como pressão sobre familiares que vivem na China. Os casos apurados pela ONG são apenas uma pequena parcela do total, 283 em 56 países e dois territórios chineses, estes Macau e Hong Kong.

Para viabilizar a “Caça à Raposa”, Beijing faz uso de centros avançados de polícia no exterior. A existência desses estabelecimentos foi revelada em setembro de 2022 pela Safeguard Defenders, o que levou alguns países a abrirem investigações e ate a ordenarem o fechamento dessas estações.

Polícia militar chinesa em Beijing (Foto: PxHere/Divulgação)

Quando a existência centros de polícia foi revelada, a ONG informou que duas delas operavam o Brasil, sendo uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. No entanto, até então não havia relato de que tivessem sido usadas para assediar cidadãos chineses, somente para prestar eventuais auxílio burocráticos por apoio a turistas e emissão de documentos.

O mais recente relatório da Safegaurd Defenders não faz menção explícita aos centros de polícia chineses em São Paulo e no Rio, mas relata um caso de repatriação forçada a partir do Brasil. Ocorreu em 2017 e teve como alvo uma cidadã identificada como Wang Mouxia, acusada de “crimes econômicos” na China. Ela foi levada de volta ao país asiático como parte da operação “Caça à Raposa” em quatro países, sendo os outros três Vietnã, Mianmar e Nova Zelândia.

À época, a imprensa chinesa afirmou que Wang fez sucessivas encomendas de roupas na China, recebeu as entregas e jamais pagou por elas. Então, com as vítimas em seu encalço, ela teria fugido para o Brasil e foi rastreada pelas autoridades chineses, que conseguiram levá-la de volta ao país natal para responder à Justiça.

“Eles repetidamente persuadiram e mobilizaram Wang através de seus parentes a retornar à China e se render”, diz o relato, sugerindo que Beijing adotou uma tática bastante comum nos casos apurados pela Safeguard Defenders. “A suspeita criminal Wang Mouxia marcou uma reunião com o oficial de ligação policial do Consulado Geral da Embaixada da China no Brasil, em São Paulo, e dirigiu-se ao consulado para explicar a situação e manifestar a sua vontade de regressar ao país.”

Em muitos dos casos apurados, a ONG diz que o governo chinês coloca os acusados em contato com familiares por chamadas de vídeo. Eles, então, descobrem que seus parentes sofrem assédio das autoridades, que chegam a ameaçar cortar serviços estatais como educação e saúde caso o cidadão não concorde em retornar.

Embora Beijing alegue que seus alvos são apenas criminosos, entre as vítimas estão também indivíduos que deixaram a China justamente para fugir da repressão, como cidadãos de Hong Kong ou do Tibete e pessoas da minoria étnica dos uigures. Diz a ONG que Beijing se considera no direito de agir contra toda a diáspora, definida “genericamente como todos os chineses étnicos, independentemente da cidadania.”

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