Mianmar se prepara para realizar eleições no domingo (28), pela primeira vez desde o golpe militar que derrubou o governo civil em 2021. A votação, organizada pela junta que governa o país desde então, é amplamente criticada por analistas, organizações internacionais e governos ocidentais, que afirmam que o processo não representa um avanço democrático e serve apenas para legitimar a permanência dos militares no poder. As informações são do The Guardian.
Quase cinco anos após assumir o controle do país, o regime enfrenta um cenário de instabilidade profunda. O principal partido político do país, a NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês), liderada por Aung San Suu Kyi, foi dissolvido, enquanto a ex-líder permanece presa. Além disso, cerca de um terço do território birmanês está fora do controle do governo central, dominado por grupos rebeldes e forças armadas étnicas.

A junta militar afirma que as eleições serão livres e justas e que o processo ocorre sem coerção. No entanto, moradores e ativistas relatam intimidação, prisões e visitas de autoridades a residências para pressionar a população a votar. Uma nova lei eleitoral prevê penas severas para quem criticar o pleito, incluindo longas condenações à prisão.
Segundo dados da organização Acled, que monitora conflitos armados, os ataques aéreos e com drones aumentaram cerca de 30% em 2025 em comparação com o ano anterior. Infraestruturas civis, como escolas e hospitais, têm sido frequentemente atingidas. O recrutamento forçado também cresceu, levando milhares de jovens a fugir de áreas controladas pelos militares.
O processo eleitoral conta com 57 partidos registrados, mas a maioria é considerada alinhada ou dependente do regime. Apenas seis legendas concorrem em nível nacional. O principal partido pró-militares disputa dezenas de distritos praticamente sem oposição, o que reforça as acusações de que a eleição cria apenas uma aparência de pluralidade política.
A votação também não ocorrerá em dezenas de municípios e milhares de distritos rurais, especialmente em áreas afetadas por confrontos armados. Estimativas indicam que aproximadamente um terço da população ficará excluída do processo eleitoral.
Enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) e países ocidentais classificam a eleição como uma farsa, a China, principal aliada da junta militar, apoia o pleito. Analistas apontam que Beijing vê a votação como um meio de reduzir a instabilidade regional e proteger seus interesses estratégicos no país.
Especialistas alertam que, mesmo após as eleições, a violência deve continuar. A intensificação dos bombardeios nas semanas que antecedem o pleito indica que o regime busca consolidar o controle sobre áreas estratégicas, e eventuais cessar-fogos tendem a ser apenas manobras táticas.
Para observadores internacionais, as eleições em Mianmar dificilmente trarão mudanças concretas. Em meio à guerra civil, repressão política e isolamento diplomático, o pleito reforça a percepção de que o país segue distante de qualquer transição real para a democracia.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.