A Armênia vive o mais grave confronto entre Igreja e Estado desde a independência, em meio à escalada de tensões entre o primeiro-ministro Nikol Pashinian e Karekin II, líder supremo da Igreja Apostólica Armênia. O embate, que envolve acusações de corrupção, ingerência estrangeira e violações constitucionais, ocorre em um momento sensível, com eleições parlamentares marcadas para junho do próximo ano. As informações são da Radio Free Europe.
A crise ganhou força após a prisão de membros do alto clero e declarações públicas do primeiro-ministro questionando a legitimidade e a conduta do chefe da Igreja. Pashinian acusa Karekin II de representar uma ameaça à segurança nacional e de manter vínculos com serviços de inteligência estrangeiros, especialmente da Rússia. A Igreja, por sua vez, nega as acusações e afirma que o governo ultrapassa os limites previstos na Constituição ao interferir em assuntos religiosos.

Segundo autoridades armênias, a ofensiva contra a Igreja faz parte de um esforço para combater práticas de corrupção e interesses comerciais arraigados na instituição religiosa, que possui isenção de impostos por lei. Até o momento, no entanto, não há decisões judiciais ou investigações independentes que confirmem formalmente essas acusações contra Catholicos.
O conflito se intensificou após a guerra de 2020 entre Armênia e Azerbaijão pela região de Nagorno-Karabakh, quando o país perdeu o controle de áreas estratégicas. Desde então, setores da Igreja passaram a criticar publicamente o governo, especialmente após concessões territoriais ao Azerbaijão. Em 2024, protestos liderados pelo clérigo Bagrat Galstanian mobilizaram milhares de pessoas e se tornaram os maiores atos contra o governo desde o início do mandato de Pashinian.
A prisão de Galstanian e de outros líderes religiosos provocou reação da Rússia, que classificou as ações como ataques injustificados a uma das principais instituições da sociedade armênia. O governo de Yerevan respondeu acusando Moscou de interferir nos assuntos internos do país, em um momento de deterioração das relações bilaterais.
Analistas apontam que a disputa também está ligada à doutrina da chamada “Armênia Real”, defendida por Pashinian, que propõe redefinir a identidade nacional com foco nas fronteiras atuais do país, abandonando reivindicações históricas sobre territórios hoje pertencentes à Turquia e ao Azerbaijão. A Igreja, tradicionalmente ligada à preservação da identidade histórica armênia, vê a proposta com reservas.
Especialistas alertam que o confronto pode gerar impactos duradouros, afetando a estabilidade institucional, a confiança pública e as relações com a diáspora armênia, historicamente influente no cenário político e econômico do país. Além disso, o impasse ocorre paralelamente às negociações de um acordo de paz definitivo com o Azerbaijão, ainda não ratificado.
Enquanto o governo mantém a pressão sobre a Igreja, críticos argumentam que as medidas adotadas enfraquecem a separação entre Igreja e Estado e podem aprofundar a polarização política às vésperas do pleito parlamentar.