Deslocamento atinge 2,6 milhões em Mianmar, aponta relatório da ONU

Confrontos recentes e bloqueios de estradas impedem as operações de entrega de alimentos e assistência humanitária no país

A guerra civil em Mianmar já causou o deslocamento de mais de 2,6 milhões de pessoas, sendo que 660 mil delas tiveram que abandonar suas residências devido ao aumento dos combates desde outubro entre as tropas da junta militar e grupos étnicos armados. As informações são da rede Radio Free Asia.

O Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha) reportou um considerável aumento nas vítimas civis, resultante de confrontos armados, ataques aéreos, colocação de minas terrestres, detenções arbitrárias e bloqueios de estradas, conforme destacado em um relatório de situação datado de 15 de dezembro.

Ao mesmo tempo, a ONU informa que o transporte de alimentos e abrigos para pessoas deslocadas internamente está enfrentando restrições. O relatório destaca que as interrupções nos serviços de telefone e internet estão prejudicando o compartilhamento de informações sobre segurança civil e operações humanitárias.

Enquanto os confrontos persistem, milhares de birmaneses necessitam de ajuda humanitária (Foto: EU Civil Protection and Humanitarian Aid/Flickr)

Além disso, a falta de acesso humanitário e comercial às rotas de transporte está resultando em escassez de alimentos, carência de itens essenciais para o lar, aumento nos preços de commodities e uma crise de combustíveis nas áreas afetadas.

Em 27 de outubro, a chamada Tríplice Aliança, composta pelo Exército Arakan, Exército da Aliança Democrática Nacional de Mianmar (MNDAA) e Exército de Libertação Nacional de Ta’ang, lançou a “Operação 1027” contra as forças militares no norte de Shan. Os insurgentes afirmam avanços significativos e a captura de mais de 170 postos militares, enquanto a intensificação dos combates resultou em um aumento considerável de comunidades deslocadas em todo o país.

Insegurança

No norte de Shan, o resgate de pessoas encurraladas pelo conflito tornou-se mais desafiador do que fornecer comida e abrigo, afirmou um trabalhador humanitário. Segundo ele, durante as batalhas, a prioridade é realocar as pessoas para campos adequados antes de garantir a entrega de alimentos.

Além disso, a destruição de uma ponte estratégica pelo MNDAA aprisionou mais de 1,3 mil pessoas deslocadas internamente no mosteiro da aldeia de Kyaung Kham.

O relatório da Ocha também ressalta os recentes confrontos nos estados de Rakhine e Chin, no oeste de Mianmar, que resultou no deslocamento de mais de 110 mil pessoas.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.

Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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