Governo indiano é acusado de ceder terras no Himalaia à China

Moradores estão receosos de perder fonte de renda com a perda de terras. Oposição acusa primeiro-ministro Narendra Modi de ceder mil quilômetros quadrados de território “sem luta”

Após Índia e China terem anunciado há pouco mais de dez dias a retirada de suas tropas de uma área disputada na fronteira entre os dois países no Himalaia, indianos que vivem na região acusam o governo de ceder faixas de terra a Beijing. As informações são do jornal britânico Guardian.

No começo do mês, após um acordo, soldados de ambos os lados começaram a deixar a área de Gogra-Hot Springs, em Ladakh, no oeste do Himalaia, onde a tensão entre os dois países vinha crescendo desde maio.

Segundo Nova Délhi, o tratado restaurou o território em ambos os lados da fronteira contestada, conhecida como Linha de Controle Atual (LAC, na sigla em inglês), fronteira de fato entre as nações. Como parte da trégua, foram criadas “zonas de amortecimento”, que nenhum dos lados tem permissão para patrulhar com suas tropas.

Região de Ladakh é alvo de disputa entre Índia e China (Foto: Bernard Gagnon/Wikimedia Commons)

Mas a nova realidade trouxe novas dores de cabeça. Segundo moradores, representantes eleitos da região e ex-oficiais militares indianos que atuaram ao longo da fronteira disputada, tais zonas de amortecimento foram estabelecidas em áreas que anteriormente estavam sob controle indiano, ou seja, não eram alvo de contestação.

“Nosso exército está desocupando áreas que não foram disputadas, enquanto as tropas chinesas estão estacionadas nas áreas tradicionalmente patrulhadas pela Índia”, disse Konchok Stanzin, conselheiro eleito da região.

Stanzin afirmou que a Índia já havia cedido terras após um acordo de 2021 para se retirar das áreas ao redor do Lago Pangong. “Levantamos preocupações semelhantes em uma retirada anterior, como na área de Pangong Tso, onde nosso exército novamente perdeu uma área enorme”, disse ele.

Os moradores também estão apreensivos com a presença chinesa, já que perderam áreas enormes que usavam como pastagens para o gado, acrescentou Stanzin. Eles temem que isso afete suas principais fontes de renda, em particular a criação da cabra-da-caxemira, cujo pelo é a matéria-prima para a produção da famosa lã de mesmo nome. 

“Antes, nossa preocupação era apenas com as incursões chinesas, mas agora a situação é mais preocupante, pois nosso governo está desistindo de nossas terras com alegria”, disse ele. 

Na semana passada, o líder do partido da oposição no Congresso, Rahul Gandhi, que frequentemente faz alertas sobre ameaças de Beijing, alegou que o primeiro-ministro Narendra Modi deu mil quilômetros quadrados de território à China “sem luta”.

Enquanto isso, as relações entre a Nova Délhi e Beijing permanecem pouco cordiais. Na última sexta-feira (16), o premiê indiano e o líder chinês Xi Jinping participaram da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, a primeira vez que se encontraram desde os confrontos. Não houve reunião, nem sequer aperto de mãos entre os dois chefes de Estado.

Por que isso importa?

O conflito fronteiriço entre os dois países começou com a guerra entre a China e a Índia em 1962. Então, no final dos anos 1980, o primeiro-ministro indiano à época, Rajiv Gandhi, buscou reestabelecer os laços com Beijing.

Dali em diante, a fronteira se manteve calma, com os dois países concordando em adotar diretrizes de administração da região. Em 1993, um acordo de paz foi assinado, e outras medidas de confiança foram firmadas em 1996 e 2006.

Entretanto, com os anos, as tensões ressurgiram após ações das autoridades indianas, como o apoio ao Tibete, os crescentes laços de defesas com EUAJapão e Austrália e restrições ao investimento chinês na Índia. No sentido oposto, as relações mais estreitas da China com o Paquistão, que tem disputas de longa data com a Índia, como a questão da Caxemira, e com o Nepal desagradaram Nova Délhi.

A relação atingiu seu pior momento em  abril de 2020, quando soldados rivais se envolveram em combates em vários pontos da área montanhosa que divide os dois países. O problema começou com uma troca de acusações sobre desrespeito à Linha de Controle Real.

Então, em 15 de junho de 2020, a paz foi definitivamente quebrada e houve confronto entre soldados indianos e chineses em Ladakh. Na ocasião, 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em combates corporais entre as tropas das duas nações. O confronto envolveu basicamente paus e pedras, sem nenhum tiro ter sido disparado.

Desde então, milhares de soldados estavam posicionados dos dois lados da fronteira, e obras com fins militares tornaram-se habituais na região. As nações reivindicam vastas áreas do território alheio no Himalaia, problema que vem desde a demarcação de áreas pelos governantes coloniais britânicos.

Tags: