Rappers chineses deixam de criticar o governo com medo de prisão e violência

Um grupo de 100 músicos gravou um rap exaltação para celebrar o centenário da sigla que comanda a China com mão de ferro

O centenário do Partido Comunista Chinês (PCC), celebrado na quinta-feira (1), ganhou uma homenagem peculiar. Cem rappers chineses se reuniram para gravar um rap com mais de 15 minutos que exalta a sigla e o país, num movimento que vai na contramão da ação contestatória da cena hip hop do resto do mundo.

“Os rappers entenderam que têm de elogiar o partido de vez em quando se quiserem continuar atingindo o grande público”, disse Nathanel Amar, diretor do Centro Francês de Pesquisa sobre a China Contemporânea em Taipei e estudioso da música popular chinesa.

“Da extrema pobreza ao radiante, não tenho arrependimento de ter nascido na China. Novos trens de alta velocidade, novos portos, novos looks e uma nova história. Vai, China! Vamos rejuvenescer a grande nação”, diz uma parte da música intitulada “100%”, de acordo com o site Quartz.

Grupo de hip-hop CD Rev marcou presença na música em homenagem ao centenário do Partido Comunista Chinês (Foto: Divulgação)

O rap já foi uma música de protesto na China, como no resto do planeta. Era um gênero limitado ao submundo, com letras que contestavam o funcionalismo público, a pobreza extrema e outras mazelas chinesas. A mão de ferro de Xi Jinping, porém, silenciou os artistas. Chen Haoran e mais quatro de seus parceiros na banda In3 chegaram a ser detidos pelo governo e passaram cinco dias encarcerados em 2015.

De lá para cá, o rap entrou no radar do PCC e passou a ser vigiado de perto. O protesto contra os problemas sociais chineses sumiu das letras e composições antigas entraram na lista negra dos vetos culturais. A repressão e a consequente mudança de foco das letras, porém, não reduziram a popularidade dos rappers, cujos vídeos geram bilhões de visualizações sobretudo na rede social chinesa Weibo.

“Em vez de banir completamente o gênero, eles [as autoridades chinesas] tentaram cooptar os rappers para disseminar uma ‘energia positiva‘”, afirmou Amar, citando uma expressão usada pelo governo Xi Jinping para se referir a tudo que é positivo à imagem do país e do partido.

Críticas

A homenagem ao partido em ritmo de rap, porém, não agradou a todos. Críticas surgiram nas redes sociais, taxando os rappers de hipócritas. “A música é uma manifestação confusa da comunidade hip-hop”, diz um usuário do Weibo. Outro crítico usou a expressão “100 escravos” para se referir à submissão forçada dos rappers ao PCC.

O produtor musical Li Haiqin, fundador da empresa de entretenimento Hip Hop Fusion, que lançou a música, saiu em defesa dos artistas. “Desde quando os rappers que amam seu país se tornam uma coisa vergonhosa?”, disse ele no WeChat.

Li explicou que a música seria lançada em 2019, para o 70º aniversário da fundação da República Popular da China. O projeto original envolvia 70 rappers, mas não foi concluído a tempo. Ele decidiu então retomar a produção da música para as comemorações do centenário do partido, com mais 30 artistas convidados.

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