Em um movimento que marca o Dia da Independência de Mianmar, a junta militar anunciou a libertação de 5.864 prisioneiros, incluindo cerca de 600 presos políticos, segundo informações do major-general Zaw Min Tun, porta-voz do Conselho de Administração Estatal. A medida, vista como uma tentativa de melhorar sua imagem diante da comunidade internacional, deixa de fora Aung San Suu Kyi, figura central na luta pela democracia no país. As informações são da Radio Free Asia.
A libertação de prisioneiros durante feriados nacionais é uma prática recorrente em Mianmar, sendo a maioria composta por pessoas detidas por crimes comuns. No entanto, a inclusão de presos políticos, embora ocasional, chama a atenção.
Entre os libertados, 180 são estrangeiros, majoritariamente de países vizinhos como a Tailândia. Ainda assim, organizações de direitos humanos questionam os números apresentados pela junta, apontando inconsistências e sugerindo motivações políticas para o anúncio.
A situação de Suu Kyi e a realidade dos presos políticos
Apesar das especulações sobre a possível libertação de Aung San Suu Kyi, que liderava o governo deposto no golpe de 2021, a junta não mencionou seu nome no anúncio. Suu Kyi, de 79 anos, cumpre pena reduzida de 27 anos em confinamento solitário, sob acusações que ela e seus aliados classificam como politicamente motivadas. A ausência de informações claras sobre seu estado de saúde e localização aumenta a preocupação entre seus apoiadores, incluindo seu filho mais novo, Kim Aris, que pediu em uma mensagem de vídeo que a esperança por sua libertação continue viva.
Enquanto isso, grupos de direitos humanos relatam números alarmantes: mais de 28 mil civis foram presos desde o golpe militar, sendo que 21.499 continuam detidos. Segundo a Associação de Assistência a Prisioneiros Políticos, a libertação anunciada pela junta incluiu apenas 344 presos políticos, muito abaixo dos 600 declarados.
Críticas e desconfiança
Ex-prisioneiros políticos e ativistas questionam as intenções da junta. “É apenas uma fachada para a comunidade internacional”, afirmou um ex-detento à reportagem, ressaltando que muitos dos libertados estavam próximos do fim de suas sentenças. Thaik Tun Oo, membro do grupo Political Prisoner Network Myanmar, destacou que a junta evita liberar presos políticos condenados por rebelião, temendo fortalecer movimentos pró-democracia.
“Eles não têm coragem de libertar aqueles que não aceitam seu governo”, disse ele, acrescentando que a verdadeira esperança para os detentos é uma vitória das forças anti-junta.
Nomes de destaque entre os libertados
Entre os prisioneiros libertados estão Khat Aung, ex-ministro-chefe do estado de Kachin, e Thin Zar Wint Kyaw, modelo e atriz conhecida por sua dissidência, que cumpria uma sentença de cinco anos. Fontes confirmaram que ela está com boa saúde após sua libertação.
Prisioneiros em várias partes do país começaram a ser soltos, mas as anistias parecem modestas diante da magnitude da crise política e humanitária que Mianmar enfrenta. Em cidades como Kale e Pyay, pequenos grupos de presos políticos foram liberados, mas o impacto geral ainda é considerado limitado.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.
As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.
A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.
Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar, inclusive vetando resoluções que venham a condenar a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral, como no caso de dezembro de 2022.
Inicialmente, o golpe de Estado foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu financeiramente com a queda. Mas o cenário mudou rapidamente. Para não se distanciar da junta, Beijing classificou a prisão de Suu Kyi e de outros funcionários do governo como uma “remodelação de gabinete”, palavras usadas pela agência de notícias estatal Xinhua.
A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.