Militares e rebeldes trocam acusações após massacre em mosteiro de Mianmar

Ao menos 22 pessoas, três delas monges budistas, teriam morrido em meio a um confronto entre o governo e milicas de oposição

Ao menos 22 civis, entre eles três monges budistas, foram mortos em um mosteiro no sul do de Mianmar no último sábado (11). Atestados de óbitos recém-divulgados indicam que as vítimas sofreram tiros à queima roupa, levando os militares que governam o país e grupos rebeldes de oposição a trocarem acusações quanto à autoria do massacre. As informações são da rede CNN.

O episódio ocorreu no Estado de Shan, uma região montanhosa perto da fronteira birmanesa com China, Laos e Tailândia. Vídeos e fotos divulgados pelo grupo rebelde Força de Defesa Nacional Karenni (KNDF, na sigla em inglês) mostram corpos empilhados no mosteiro budista. A maioria veste roupas civis, e três aparecem trajados com túnicas alaranjadas típicas dos monges.

Militares e rebeldes concordam em um ponto: eles entraram em confronto naquela região. Houve uma violenta troca de tiros que se estendeu até a vila de Nan Nein, local do mosteiro. A força aérea foi acionada e realizou bombardeios, o que levou os civis a buscarem abrigo no templo religioso, onde teriam sido acolhidos pelos monges. O que ocorreu lá dentro, porém, gera explicações distintas.

Soldados de Mianmar durante desfile militar em Naipidau: violência contra civis (Foto: WikiCommons)

“Os monges não queriam deixar seu mosteiro, então civis e monges ficaram lá juntos”, disse o porta-voz da KNDF, Philip Soe Aung, que acrescentou: “Esses civis e monges foram torturados e executados pelos militares birmaneses”.

Ainda de acordo com Soe Aung, “os militares birmaneses mataram três monges e 19 civis em 11 de março”. Ele explica que as tropas rebeldes entraram no mosteiro somente no dia seguinte, 12 de março, e então “viram os cadáveres”.

O porta-voz afirma que a posição dos corpos, alinhados, sugere que foram executados sumariamente por um “esquadrão de ataque”. E que os cadáveres exibiam sinais de “tortura e espancamento”, muitos deles com “ferimentos a bala na cabeça”.

A junta militar que governa o país desde o golpe de Estado de fevereiro de 2021 refuta a denúncia. Em entrevista ao jornal estatal Global Light of Myanmar, o major-general Zaw Min Tun, porta-voz da junta, culpou “facções terroristas” pelas mortes, citando grupos políticos de oposição que contam com braços armados e atuam no Estado de Shan.

Soe Aung desmentiu a alegação do governo, dizendo que os rebeldes sequer estavam nas imediações do mosteiro quando os civis e monges foram mortos. Ele explicou que os confrontos ocorreram ao longo da rota que leva à vila de Nan Nein e que somente os militares tiveram acesso ao palco do massacre. “Não é nossa política colocar combatentes na aldeia porque isso pode trazer conflitos para os civis”, disse ele.

Por que isso importa?

Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo palavras da ONU (Organização das Nações Unidas). A repressão imposta pelo governo militar foi uma reação às eleições presidenciais de novembro de 2020.

Na ocasião, o partido NLD (Liga Nacional pela Democracia, da sigla em inglês) venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro de 2021, então, a junta militar, que já havia impedido a sigla de assumir o poder antes, prendeu a líder democrática Aung San Suu Kyi, dando início a protestos respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais.

As ações abusivas da junta levaram ao isolamento global de Mianmar, e em dezembro de 2022 o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução histórica que insta os militares a libertar Suu Kyi. A Resolução 2669 ainda exige “o fim imediato de todas as formas de violência” e pede que “todas as partes respeitem os direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito”.

A proposta, feita pelo Reino Unido, foi aprovada no dia 21 de dezembro de 2022 com 12 votos a favor. Os membros permanentes China e Rússia se abstiveram, optando por não exercer vetos. A Índia também se absteve.

Beijing e Moscou, por sinal, estão entre os poucos governos do mundo que mantêm relações formais com Mianmar. Inicialmente, o golpe foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Mas o cenário mudou desde então.

O governo chinês frequentemente se coloca ao lado da junta ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. A posição ficou evidente mais uma vez em dezembro de 2022, embora a China tenha optado por não vetar a resolução.

A China é um também dos principais fornecedores de armas para a juntar militar, desrespeitando um pedido de embargo global feito pela ONU para enfraquecer o regime birmanês. Entretanto, há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos chineses, tendo ainda como fornecedores complementares a Rússia e o Paquistão.

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