Pacto entre Rússia e Coreia do Norte pode ter alcance nuclear e preocupa a China, diz autoridade dos EUA

Vice-secretário de Estado dos EUA diz que Beijing tem demonstrado 'tensão' devido ao risco de o acordo ampliar a crise na Ásia

Não foi apenas o Ocidente que recebeu com desconfiança o pacto de defesa mútua anunciado por Rússia e Coreia do Norte na semana passada. A China também se incomoda com a possível extensão do acordo, que na visão dela pode intensificar a crise na Ásia. Esta é a avaliação do vice-secretário de Estado dos EUA, Kurt Campbell, que baseia sua posição nos encontros que teve com autoridades chinesas. As informações são da rede Voice of America (VOA).

“Penso que é justo dizer que a China está algo preocupada com o que se passa entre a Rússia e a Coreia do Norte. Eles indicaram isso em algumas de nossas interações, e podemos ver certa tensão associada a isso”, disse Campbell.

A real extensão do pacto é incerta, mas Pyongyang disse na semana passada que ele se escora na defesa mútua. “No caso de qualquer um dos dois lados ser colocado em estado de guerra por uma invasão armada de um Estado individual ou de vários Estados, o outro lado fornecerá assistência militar e outras assistências com todos os meios em sua posse”, disse comunicado da agência estatal de notícias.

Encontro entre Kim Jong-un e Vladimir Putin em Pyongyang, junho de 2024 (Foto: kremlin.ru)

O anúncio surge em um momento particularmente delicado da relação entre as duas Coreias, com tiros disparados na região de fronteira mais de uma vez, uma resposta militar de Seul após soldados norte-coreanos cruzarem a divisa. Considerando um cenário mais amplo, a Ásia é palco de outros importantes focos de tensão globais.

O principal foco de tensão é Taiwan, que luta para ter sua soberania reconhecida e irrita Beijing, que considera a ilha parte de seu território e ameaça usar força militar para a anexação. Mais uma crise protagonizada pela China é com as Filipinas, uma disputa territorial no Mar da China Meridional que pode escalar para um conflito envolvendo os EUA, com quem Manila tem um pacto de defesa mútua.

Alcance nuclear?

O pacto anunciado na semana passada potencialmente insere a Rússia nas disputas asiáticas, como a Coreia do Norte está inserida na guerra da Ucrânia. Hoje, Pyongyang fornece a Moscou armas para equipar as tropas russas no conflito europeu, enquanto o regime comunista passou a ter acesso a produtos sancionados, como cargas de petróleo em quantidades superiores às permitidas.

Com o acordo firmado entre os líderes Vladimir Putin e Kim Jong-un, Campbell diz temer que a colaboração se estenda ao setor nuclear, adicionando um ingrediente perigoso a um caldeirão que ferve na vizinhança da China.

“Acreditamos que há discussões sobre o que a Coreia do Norte receberia em troca, oque poderia estar associado aos seus planos de desenvolvimento de mísseis nucleares e de longo alcance”, declarou a autoridade norte-americana.

A China há muito defende a desnuclearização da Península Coreana, posição apoiada pelos Estados Unidos e seus aliados. Embora a Coreia do Norte tenha concordado em certos contextos, inclusive com uma declaração conjunta assinada por Kim Jong-un e Donald Trump em 2018, no ano passado o país inseriu as armas nucleares em sua Constituição e declarou tal status como “irreversível”.

Relacionamento em crise

A relação entre Pyongyang e Beijing já dava sinais de estremecimento. Em maio, o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, esteve em Seul para um encontro com os líderes de Japão e Coreia do Sul, diálogo trilateral que não ocorria há quase cinco anos. Ignorando a iniciativa diplomática, a Coreia do Norte lançou ao mesmo tempo um satélite espião que explodiu após a decolagem, e o momento foi considerado inadequado pela China.

“No último ano, as relações entre a Coreia do Norte e a China esfriaram, marcando a primeira vez em anos que sinais de problemas surgiram abertamente”, escreveu Rachel Minyoung Lee, observadora da Coreia do Norte e membro sênior do Stimson Center, blog de Washington especializado no tema.

Jean Lee, jornalista especializada em Coreias, também avaliou que os recentes acontecimentos sinalizam desgaste em uma relação que há muito tempo ambos os lados afirmam ser “tão próxima quanto lábios e dentes.” Segundo ela, “parece que essas fissuras podem se ampliar com apenas um pouco de pressão.”

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