Na província de Akita, jovens equilibram varas de bambu de até 12 metros, adornadas com lanternas de papel, em um espetáculo tradicional chamado kanto. É um ritual xintoísta que mistura fé, força e competição, mas que ainda impõe uma regra inabalável: apenas os homens podem participar como carregadores de totens, os sashite. As informações são da NPR.
As mulheres, relegadas ao papel de musicistas ou espectadoras, veem nessa tradição o reflexo de um problema maior: a desigualdade de gênero que marca a vida rural japonesa.

De acordo com um relatório do governo publicado em junho, 27% das mulheres jovens do país querem deixar suas cidades natais, contra 15% dos homens. O motivo vai além das oportunidades de emprego: é uma busca por autonomia.
“Nas áreas rurais, as mulheres ficam presas em empregos temporários ou de meio período, enquanto apenas os homens são promovidos. Elas não querem viver assim, então se mudam para Tóquio”, explica o sociólogo Masahiro Yamada, da Universidade Chuo.
A rigidez cultural e o conservadorismo das pequenas cidades estão esvaziando o Japão interiorano. Akita é hoje a província com o envelhecimento mais acelerado do país – 39% da população tem mais de 65 anos – e o declínio populacional mais rápido entre as 47 prefeituras.
A desigualdade de gênero é uma das forças silenciosas por trás desse despovoamento.
Tradição, religião e impureza
No kanto, as regras são justificadas por preceitos xintoístas: o sangue feminino, da menstruação e do parto, seria impuro para cerimônias religiosas. Algumas mulheres aceitam a explicação como parte da cultura, outras a contestam em silêncio.
“Não podemos realmente argumentar contra a tradição e as razões religiosas”, admite a estudante universitária Mayaka Ogawa, resignada.
Fuga por liberdade
A jovem Ren Yamamoto, 26 anos, decidiu enfrentar o tema de frente. Moradora de Nirasaki, na província de Yamanashi, ela gravou 100 entrevistas com mulheres rurais e criou um canal no YouTube para divulgar suas histórias.
“Quando voltam para suas cidades natais, perguntam a elas: ‘Quando vai se casar? Quando vai ter filhos?’. Elas estão cansadas de serem forçadas a assumir esse papel”, diz.
O projeto ganhou destaque nacional e levou Yamamoto a uma reunião com o então primeiro-ministro Shigeru Ishiba. “As políticas de apoio às mulheres só focam em casamento e filhos, sem entender por que elas estão indo embora. Sentimos que somos vistas como máquinas de fazer bebês”, afirmou.
Governo tenta reagir
Autoridades japonesas reconhecem que a desigualdade de gênero e a queda na natalidade estão interligadas. Algumas prefeituras, como Tóquio e Akita, tentam agir promovendo encontros e programas para incentivar casamentos, uma iniciativa que provoca reações de desagrado.
“Detesto isso”, desabafa Mayaka Ogawa. “Parece que as mulheres não conseguem fazer nada por conta própria. Estamos começando a perceber que não precisamos formar uma família para nos sentirmos realizadas.”
Apesar dos esforços, o progresso é lento. “Ainda vivemos em um país onde a mudança é dolorosamente demorada”, reconhece Naoko Tani, diretora do Centro de Igualdade de Gênero de Akita.
Entre a tradição e o futuro
Algumas jovens, como Yukina Oguma, filha de uma família que há gerações administra um templo budista, já decidiram partir.
“Akita é chamada de ilha isolada em terra firme”, diz Yukina, que planeja cursar faculdade fora da província. “Se me dissessem para ficar e assumir o templo, eu fugiria.”
Outras, como Miwa Sawano, não acreditam em transformações rápidas. “Que Akita seja despovoada. Honestamente, não há como impedir. Eles só vão perceber que têm um problema quando as mulheres forem embora”.