Este artigo foi publicado originalmente em inglês no jornal South China Morning Post
Por C. Uday Bhaskar
A última cúpula Quad, como é conhecido o Quadrilateral Security Dialogue (Diálogo de Segurança Quadrilateral, em tradução literal), ocorreu no sábado passado (21) em Wilmington, Delaware, a cidade natal do presidente dos EUA, Joe Biden. Os líderes de Estados Unidos, Austrália, Índia e Japão se reuniram pela sexta vez desde 2021 e encerraram sua reunião com uma declaração detalhada e expansiva de mais de cinco mil palavras.
Os acordos alcançados variaram de assuntos relacionados à conscientização do domínio Indo-Pacífico e marítimo ao desenvolvimento de portos conjuntos, segurança cibernética e melhoria da interoperabilidade entre guardas costeiras. A extensão da cooperação em saúde pública pandêmica e a busca por uma cura para o câncer cervical também foram incluídas na cúpula.
O subtexto era reiterar um ponto levantado em todas as reuniões do grupo: o Quad não é uma “Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) asiática” e suas atividades não são direcionadas a nenhuma nação específica.
A China continua sendo o elefante invisível na sala, frequentemente aludido, mas não explicitamente mencionado pelo nome. É instrutivo que as únicas referências à “China” na longa declaração conjunta tenham sido por meio dos Mares da China Oriental e Meridional.
No entanto, a lição mais substancial da cúpula veio de um momento não intencional. Em um feed de áudio não destinado ao consumo público, Biden foi ouvido dizendo aos outros líderes que o presidente Xi Jinping estava “procurando comprar algum espaço diplomático, na minha opinião, para perseguir agressivamente os interesses da China”. Ele acrescentou que a China “continua a se comportar agressivamente, testando-nos em toda a região” em várias frentes, “incluindo em questões econômicas e tecnológicas”.
Beijing denunciou a cúpula, com o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Lin Jian acusando o Quad de ser “uma ferramenta que os EUA usam para conter a China e perpetuar a hegemonia dos EUA”. Lin observou: “Embora os EUA afirmem que não têm a China como alvo, o primeiro tópico da cúpula é sobre a China, e a China foi transformada em um problema durante todo o evento. Os EUA estão mentindo descaradamente.”
Os vínculos entre a China e o Quad remontam a dezembro de 2004, quando um grande tsunami devastou partes da região do Oceano Índico. A Índia foi a primeira a responder ao fornecer ajuda humanitária e alívio de desastres para as nações afetadas, e EUA, Japão e Austrália logo se juntaram ao esforço de ajuda internacional. As sementes do Quad foram plantadas.
A natureza da resposta ao tsunami e a rápida cooperação entre as quatro democracias marítimas não passaram despercebidas pela China. Quando os EUA e a Índia buscaram, em 2007, expandir seus exercícios navais bilaterais para conversas estratégicas que também incluíam a Austrália e o Japão, Beijing fez protestos veementes e emitiu démarches – uma comunicação diplomática oficial exigindo saber as opiniões do destinatário – para cada participante. Meses após a primeira reunião do Quad, a Austrália saiu do grupo.
No entanto, a ideia do Quad persistiu, permanecendo adormecida até ser revivida em 2017. Depois de ser elevada ao nível dos ministros das Relações Exteriores em 2019, a primeira cúpula virtual do Quad ocorreu em março de 2021 durante a administração Biden. A importância do Quad para Biden é visível em Wilmington, sendo a sexta reunião durante a presidência dele.
Apesar da interrupção da pandemia da Covid-19, o governo Trump começou uma reprogramação da política dos EUA em relação à China, dando início à resistência dos EUA às políticas comerciais predatórias de Beijing e à assertividade crescente no Mar da China Meridional. Biden ajudou a dar corpo a essa política, e o Secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, passou a descrever a China como um “desafio de ritmo”.
Biden usou o fórum Quad para reforçar a influência dos EUA contra a China e lidar com o desafio de Beijing em uma estrutura multilateral mais ampla, e é evidente que essa estratégia tem sido razoavelmente eficaz.
O presidente dos EUA disse em Wilmington que “somos democracias que sabem como fazer as coisas. É por isso que, nos primeiros dias da minha presidência, procurei cada uma de suas nações para propor que elevássemos o Quad, o tornássemos mais consequente. Quatro anos depois, nossos quatro países estão mais alinhados estrategicamente do que nunca”.
A China inicialmente rejeitou o Quad, com o Ministro das Relações Exteriores Wang Yi afirmando em 2018 que ele não passava de “espuma do mar nos Oceanos Pacífico e Índico”. Desde então, no entanto, Beijing se tornou mais cautelosa com o agrupamento e sua capacidade de verificar os avanços da China.
Dentro do Quad, Austrália e Japão são aliados formais de tratado dos EUA. Isso se tornou mais robusto nos últimos anos com o acordo Aukus de três nações entre os EUA, o Reino Unido e a Austrália, que permite que Camberra adquira submarinos movidos a energia nuclear. O Japão é um grande aliado regional dos EUA e tem suas próprias ansiedades sobre a agressividade territorial chinesa.
A Índia é a estranha no Quad. Não é uma aliada militar dos EUA e é improvável que se torne uma, dada sua longa história de não alinhamento e a preferência de Nova Délhi por manter a autonomia estratégica.
No entanto, se Beijing prosseguir com sua assertividade territorial contra Nova Délhi, como fez em 2020 no Vale de Galwan, isso poderia empurrar a Índia para se tornar um parceiro militar mais substancial dos EUA. O Quad poderia ajudar a facilitar esse processo. Tal mudança teria implicações diretas para a China.
A Índia desempenhará um papel crítico na determinação do teor militar do Indo-Pacífico mesmo depois que Biden entregar o bastão ao seu sucessor em janeiro de 2025, com o Quad formando parte de seu legado. A última linha na declaração conjunta do Quad é instrutiva: “O Quad está aqui para ficar.”
A China está claramente ciente da realidade de que o Quad está longe de ser espuma do mar que se dissipará rapidamente. Em vez disso, há uma corrente subterrânea profunda e permanente que animará significativamente o Indo-Pacífico nos próximos anos.