Em fevereiro deste ano, um ano após o golpe de Estado promovido por militares em Mianmar, a ONU (Organização das Nações Unidas) pediu um embargo global de armas para enfraquecer a junta que assumiu o governo. Não adiantou. Há indícios de que as forças locais seguem se equipando com novos armamentos fornecidos por China, Rússia e Paquistão, à medida que o número de civis mortos cresce. As informações são da rede Radio Free Asia (RFA).
Na época, em um relatório de de 40 páginas, Tom Andrews, relator especial sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar, relatou ao Conselho de Direitos Humanos da ONU que Estados-membro da organização continuaram a vender armas para a junta, mesmo em meio a um aumento das baixas civis.
Atualizando para dezembro, novas evidências vieram à tona de que o pedido de sanções feito por Andrews não foi atendido, ou pelo menos não foi adotado com suficiente intensidade a ponto de enfraquecer o poder de fogo do governo militar birmanês.
Isso ficou claro no último dia 15, quando, durante uma celebração do 75º aniversário da força aérea de Mianmar, líderes da junta apresentaram novos caças e helicópteros de ataque comprados da Rússia, China e Paquistão.
Entre os destaques do pacote estão sofisticados caças Sukhoi Su-30, de Moscou, e jatos FTC-2000G, de Beijing, comprados após o golpe e usados nos ataques aéreos em andamento do regime contra civis e forças de resistência que lutam ao lado de grupos étnicos armados em todo o país.
Segundo o vice-diretor da Divisão da Ásia da ONG Human Rights Watch, Phil Robertson, a organização que ele representa pressionou por um embargo de armas desde o golpe, que ocorreu no dia 1º de fevereiro de 2021.
“Mas essa demanda caiu no mesmo abismo político no Conselho de Segurança da ONU que condenou a ação coletiva em outras crises, como a Síria”, disse ele.
A ONU diz que mais de 40 países, a maioria do Ocidente, decretaram embargos de armas contra Mianmar. No entanto, segundo o analista político e militar birmanês Hla Kyaw Zaw, “obter uma adesão mais ampla é improvável, dados os interesses concorrentes dos países”.
“Mesmo que a China e a Rússia não vendessem armas aos militares de Mianmar, alguns países ocidentais o fariam”, disse ele, acrescentando que “os países do mundo nunca teriam a mesma opinião sobre quaisquer questões”.
Enquanto isso, as mortes seguem aumentando no país. De acordo com os dados recolhidos pela RFA, 81 civis foram mortos e 144 feridos pelos ataques aéreos da junta e uso de artilharia e minas terrestres apenas em agosto e setembro.
Falando em outubro ao comitê de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU, a enviada especial Noeleen Heyzer relatou que mais de 13,2 milhões de birmaneses não têm o suficiente para comer e 1,3 milhão estão deslocados de suas casas.
Em meio a isso, militares que deram um golpe de Estado e tomaram o poder central em fevereiro de 2021 continuam bombardeando indiscriminadamente, destruindo casas e prédios e matando civis.
Por que isso importa?
Mianmar enfrenta “uma campanha de terror com força brutal”, segundo a ONU. A repressão imposta pelo governo já causou a morte de ao menos 1252 pessoas desde o golpe de 1º de fevereiro deste ano, uma reação dos militares às eleições presidenciais de novembro de 2020.
Na ocasião, a NLD venceu as eleições com 82% dos votos, ainda mais do que havia obtido no pleito de 2015. Em fevereiro, então, a junta militar, que já havia impedido o partido de assumir o poder antes, derrubou e prendeu Aung San Suu Kyi.
O golpe deu início a protestos no país, respondidos com violência pelas forças de segurança nacionais. Centenas de pessoas foram presas sem indiciamento ou julgamento prévio, e muitas famílias continuam à procura de parentes desaparecidos. Jornalistas e ativistas são atacados deliberadamente, e serviços de internet têm sido interrompidos.
Inicialmente, o golpe em Mianmar foi recebido com reprovação pela China, que vinha dialogando para firmar acordos comerciais com o governo eleito e perdeu bastante com a derrubada. Atualmente, no entanto, Beijing frequentemente se coloca ao lado dos militares ao vetar resoluções que condenam a brutalidade dos atos contra opositores e a população civil em geral. O país também é um dos principais fornecedores de armas para a juntar militar.